O amor vence o tempo

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- Vim te convidar para um passeio de setembro pelos bosques, e "pelas colinas, onde crescem as especiarias", como nos velhos tempos - disse Gilbert, aparecendo de repente na varanda. - Que tal visitarmos o jardim de Hester Gray?

Anne, sentada em um degrau de pedra vestido um fino tecido verde-claro sobre a saia, olhou para cima sem expressão.

- Ah, se pudesse eu iria - respondeu, falando lentamente -, mas infelizmente não posso, Gilbert. Irei ao casamento de Alice Penhallow nesta noite. Preciso arrumar o vestido, e logo chegará a hora de partir. Lamento, eu adoraria poder passear com você.

- Bem, então podemos ir amanhã à tarde? - ele perguntou, parecendo pouco decepcionado.

- Sim, creio que sim.

- Então vou agora mesmo para casa fazer algo que seria resolvido amanhã. Alice Penhallow se casa nesta noite?! Três casamentos para você ir neste verão, Anne, o de Phil, de Alice e de Jane. Nunca perdoarei Jane por não haver me convidado para seu casamento.

- Não a culpe, pense na multidão de parentes dos Andrews que precisavam ser convidados. Todos eles mal cabiam na casa! Só me convidaram porque eu era uma das amigas mais antigas... ao menos da parte de Jane. Creio que a senhora Harmon Andrews me convidou apenas para eu ver a inatingível beleza do traje de sua filha.

- Dizem que Jane usou tantos diamantes que não foi possível determinar onde terminavam as joias e onde começava a noiva, é verdade?

Anne riu.

- Sim, com certeza ela usou muitos! Jane estava tão arrumada que quase se perdia em meio a tantos diamantes, cetim branco, tules, rendas, flores cor-de-rosa e laranja, mas o importante é que ela estava muito feliz, assim como o senhor Inglis... e, é claro, também a senhora Andrews.

- É esse o vestido que você usará hoje à noite? - perguntou Gilbert, observando os babados e ornamentos.

- Sim. É do seu agrado? E usarei flores da alegria nos cabelos. No verão, a Floresta Assombrada fica repleta dessas flores.

Gilbert logo imaginou como ficaria Anne dentro do vestido verde, com as virginais curvas de seus braços e seu pescoço brotando do traje, e o contraste do brilho das estrelas brancas com os cachos ruivos de seu cabelo. Por um momento, aquela visão o fez perder a respiração, mas virou-se ligeiramente para a moça.

- Bem, amanhã estarei de volta. Divirta-se hoje à noite.

Anne o observou até sumir de vista e suspirou. Gilbert parecia afável... muito afável... demasiadamente afável. Depois de sua recuperação, vinha a Green Gables com frequência e parte da antiga amizade de ambos se fortalecia novamente, mas Anne já não se satisfazia, não mais. O desabrochar da rosa do amor deixava o botão da amizade pálido e sem perfume e Anne agora duvidava de que Gilbert sentisse por ela algo mais do que amizade. Depois daquela manhã ardente e cheia de promessas, a luz do dia comum enfraquecia a certeza que por um momento tivera, angustiava-se com o terrível medo de jamais poder reparar seu erro. Além disso, muito provavelmente Gilbert amava Christine, e quem sabe estava até comprometido com ela.

Anne, por sua vez, tentava apagar as chamas da esperança de seu coração e empolgar-se com um futuro em que o trabalho e a ambição deveriam substituir o amor. Poderia fazer um bom trabalho como diretora da escola secundária, ou até mesmo exercer a nobre função de professora. Além disso, seus breves contos começavam a obter algum êxito junto ao editor de uma certa revista. Seus crescentes sonhos literários, portanto, tinham bons presságios de realizar-se. Mas... mas... Anne pegou o vestido verde e suspirou novamente.

Na tarde seguinte, ao chegar, Gilbert encontrou Anne esperando por ele, com o frescor do amanhecer e o brilho de uma estrela, depois de muito se divertir na noite anterior. Ela usava um vestido verde, não o mesmo da véspera, mas um antigo, o qual usara numa recepção em Redmond e que Gilbert então elogiara. O matiz de verde realçava a tonalidade dos cabelos de Anne, o cinza cintilante de seus olhos e a maciez de pêssego de sua pele.

Anne da IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora