Capítulo 2: Biblioteca

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27 anos antes...

Oxford, 1806.

Só Deus sabe como se deu a amizade entre Anthony Bridgerton e Simon Basset. Enquanto um era sociável, estava em todas os eventos noturnos e era conhecido por todos da faculdade, o outro era a pessoa mais reservada que já pisara em Oxford. Mas uma coisa é certa: quando os dois estavam juntos ( e eles se tornaram inseparáveis ) não havia espaço que não sentisse a presença de espírito deles. Era uma atmosfera pesada, quase papável e ao mesmo tempo parecia ser reconfortante. Isso porque apesar de serem seres totalmente diferentes, eles acharam um no outro aquilo que precisavam. E nem sabiam que precisavam.

Foi por volta do terceiro semestre que eles resolveram dividir um apartamento nas proximidades da universidade. Não que eles realmente tivessem que fazer isso, mas a ideia surgiu como uma forma preservar a privacidade de seus encontros, pois em uma determinada noite de verão, Anthony Bridgerton passou maus bocados com uma cantora italiana e uma porta destrancada.

Mas isso é uma outra história.

— Colin, será que algum dia eu terei que socar sua boca para você parar de encher a minha pouca paciência com essa história velha? Você se esqueceu que estamos numa biblioteca? Já vai fazer um mês. E Simon, não me obrigue a fazer o mesmo com você. Chega! Vocês são insuportáveis. - Anthony resmungou se levantando da grande mesa central para pegar um livro e se distrair daquelas duas crianças.

— Meu caro irmão - disse Colin com aquele ar despreocupado — Acredito que esse evento seja insuperável. A terrível visão do seu traseiro ainda me assombra em pesadelos. Tenho que rir para não chorar, e a única forma de fazer isso é ver seu rosto ficando vermelho igual a um tomate. Vamos, convenhamos que o meu trauma foi bem maior que o seu. Não é mesmo, Simon? Aliás, você não pode me expulsar daqui porque isso é um espaço público. E enquanto o duque estimar minha presença, ficarei aqui.

— Apesar de com certeza ter sido uma situação, digamos, bastante humilhante, acredito que pior do que foi para você - disse Simon apontando em direção ao irmão mais novo — foi para aquela pobre italiana. E sim, estimo bastante sua presença aqui. Anthony está muito mal humorado nessas últimas semanas. Acho que ele precisa se refrescar com novos ares. Menos nas partes de baixo, é claro.

Ambos não conseguiam conter a risada, o que atraiu olhares nervosos das outras pessoas e deixou Anthony com muita vontade de atirar o livro que tinha em mãos contra a cabeça do irmão e do amigo. Pensou que se mirasse bem, conseguiria acertar os dois. O exemplar era grande o suficiente para fazer um bom estrago. Será que valeria a pena a expulsão de Oxford por agressão, principalmente, contra o Colin? Ele acreditava que sim. Mas Simon, já prevendo suas intenções, se levantou e foi tentar mediar essa situação.

— Anthony, não tem motivo para tanto estresse. Poderia ter sido pior - ele disse dando um tapinha nas costas do amigo. — Poderia ter sido o Benedict ou aqueles seus amigos que só andam em grupos.

— Ele nem tinha que estar lá, para começo de conversa. Colin não faz absolutamente nada aqui e nunca – olhou diretamente para o irmão — nunca sequer passou pela porta do meu dormitório e no único dia que eu resolvo não pagar por um quarto de hotel, você milagrosamente resolve aparecer por lá. - Anthony já estava quase gritando.

— E é minha culpa se você deixa a porta destrancada quando vai ter relações com uma mulher? Que tipo de cavalheiro você é? - respondeu Colin com um falso ar de quem estava severamente ofendido. — Entretanto, se você quiser mais privacidade, nós podemos alugar um apartamento aqui perto, de forma que cada um fique com seu próprio quarto. Só que para isso acontecer, você precisa aprender como usar a tranca de uma porta.

Anthony realmente já estava no limite, e se não fosse por Simon literalmente o segurando, aquele livro já estaria voando contra a cabeça daquele petulante infeliz.

— Eu prefiro dormir no inferno e dividir a cama com o diabo do que morar com você. Não sei como te aguentei tanto tempo quando estávamos na Aubrey Hall. Certamente eu sou um santo por isso. - rebateu Anthony. — Por que você não vai...

— Sabe que isso não é uma má ideia Bridgerton? - interrompeu Simon dirigindo-se ao irmão mais velho. — Honestamente, eu também estou procurando um pouco mais de privacidade. Não gosto de ter tantas pessoas especulando sobre o que faço ou deixo de fazer. Nós nos damos bem há muito tempo, e acho que podemos respeitar nossos limites.

Anthony olhava perplexo para o amigo, que o encarava espirituosamente, parecendo animado com essa ideia. Ele não esperava tal comportamento vindo de Basset, visto que o futuro duque prezava até demais por seu próprio espaço particular, e mesmo que eles estabelecessem limites, bom...ainda era o Simon, e ele não sabia bem o que esperar disso.

Contudo, ao ver o olhar do seu amigo algo novo despertou em seu íntimo, uma espécie ansiedade sem precedentes. Talvez, ele precisasse de novos ares, refletiu. Além disso, a ideia de dividir o apartamento com Simon parecia-lhe agradável, visto que facilitaria muito sua vida. Anthony não queria admitir isso para si, porém existia uma curiosidade crescendo naquele momento.

O futuro duque de Hastings era terrivelmente bonito. Por onde quer que passasse, atraía olhares maliciosos de mocinhas debutantes a mulheres casadas. Seu rosto era marcado por um maxilar bem definido e sobrancelhas grossas que sobrepunham os olhos levemente amendoados. Esses contrastes eram o que tornava sua feição mais séria em relação a maioria dos homens ingleses, que pareciam pequenos e insuficientes perto dele. Anthony, é claro, já havia reparado nisso, mas nunca se sentiu inferior ao amigo. Ele percebeu que apesar da indiscutível beleza estética, o que tornava Simon um homem ainda mais atraente, era sua reputação – não frequentava muitos eventos, e era quase lacônico em seus discursos. Isso fazia com que ele fosse um livro fechado, e ninguém sabia o que esperar quando fosse aberto. E a sociedade inglesa amava saber tudo sobre a vida alheia.

Mas, era Anthony que o conhecia melhor do que qualquer pessoa.

Ele sabia que por trás de toda aquela seriedade, Simon tinha um lindo sorriso e uma trágica história. O que Lorde Bridgerton nunca conseguiu entender, foi como conseguiu fazê-lo se abrir dessa forma, mas acabou formando um enorme elo de confiança entre eles.

A cada segundo que passava o visconde estava mais imerso naquela fração de momento. Ele estava experimentando pela primeira vez o sentimento que mais temia e que nunca tinha sentido com outra pessoa. Tudo em sua volta parecia ter desaparecido ou subitamente se silenciado. Só existiam os dois.

Eles estavam se encarando há mais tempo do que era normal se encarar outra pessoa, e Colin institivamente notou que havia algo ali. Entretanto, movido tanto pela curiosidade quanto pelo senso de autopreservação, resolveu não interferir no que estava acontecendo.

Simon pareceu notar isso e por essa razão, chamou a atenção do amigo tocando-lhe o ombro e descontraindo o clima disse:

— Meu Deus Colin, nós quebramos o Anthony. Pela primeira vez ele está sem palavras.

— Aparentemente você o quebrou mais do que eu. - ironizou Colin.

Com isso, Anthony despertou de se devaneio e não estava com a mente totalmente limpa, mas deixou sua emoção falar mais alto que a própria razão.

Ponderou que, afinal de contas, essa parecia ser uma boa ideia ( só não diria excelente pois teria que dar os créditos ao irmão por ter iniciado o assunto em questão ). Teria sua privacidade e talvez conseguisse esclarecer para si mesmo que aquele momento com o Simon não passava disso — um momento de choque.

- Vamos morar juntos. – disse Anthony traindo a si mesmo e abrindo um sorriso.

E assim, chegamos a história que realmente importa: aquela que não nos foi contada.


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N.T. : Eu amei escrever as partes do Colin, ele é tudo para mim.

um caso ilícito {short fic}Onde histórias criam vida. Descubra agora