Capítulo 4: O beijo

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A duas ruas de distância, Simon caminhava, sentido o vento frio e cortante contra seu rosto. A noite estava limpa, clara e com uma lua crescente iluminando o céu. O silêncio e o vazio das ruas era o que ele precisava para pensar. Anthony acreditava que ele estava com ciúmes por que também queria uma mulher? Até parece que ele não o conhecia. Simon não era nenhum santo. Só não tinha encontros com tanta frequência, e parando para pensar bem, Anthony também não. Depois que eles começaram a morar juntos, o Bridgerton não parava em casa, sem contar as vezes que ele esbarrava com aquela italiana dentro de sua própria casa. Talvez a ideia não estivesse funcionando tão bem quanto ele imaginava.

Simon estava tão absorto em suas próprias dúvidas, que demorou demais para se dar conta da presença de outra pessoa andando por ali. Ele não costumava se preocupar com isso, afinal era um bairro majoritariamente universitário, contudo, sempre existia a chance de alguém de outro tentar um assalto, até porque a maioria dos homens e mulheres daquela região eram jovens desmiolados e boêmios que pertenciam à alta sociedade inglesa, ou seja, alvos extremamente fáceis. Sua preocupação só se tornou maior pois, à medida que aumentava o passo, sentia que a outra pessoa também aumentava. Isso não era um bom sinal. Calculou mentalmente que não faltava muito para chegar no apartamento. Não era burro e a sombra daquele ser obviamente estava seguindo-o.

Então surgiu uma ideia: ele correria, mas quando percebesse que a pessoa estava quase o alcançado, iria parar subitamente e acertar um golpe rápido, um soco na garganta ou no nariz de quem quer fosse aquele indivíduo ( orava para que não fosse uma mulher ). E foi assim que fez. Correu e sentiu seu passo ser acompanhado e ele ou ela ficando mais e mais próximo. Então deu um girou com os pés e acertou o soco em cheio no rosto de..ANTHONY?

Sim, era Anthony, que desequilibrou com a pancada e caiu no chão.

— Anthony? Anthony? Você está bem? Meu Deus, me desculpa. - voz do Simon estava regada de desespero e apreensão. — Não sabia que era você, por que você estava me seguindo? Aqui, deixe-me te ajudar. - disse enquanto estendia a mão para levantá-lo, entretanto o visconde recusou violentamente tal gesto, levantado-se sozinho, com o rosto e o orgulho feridos.

— Ahh que merda, Simon! Por que diabos você achou que eu estava te seguindo? Custava olhar para trás? Que droga. - disse Anthony passando a mão no rosto. A dor formigava e latejava em sua pele e logo ficaria muito escuro naquela região.

— Olhar para trás? Por que você não me gritou? Teria sido muito mais rápido!

— PORQUE EU NÃO QUERIA ACORDAR A VIZINHANÇA INTEIRA GRITANDO SEU NOME. E FOI VOCÊ QUE ME DEU UM SOCO.

Uma lamparina foi acesa em uma das casas da rua, o que deixou Basset alarmado.

— Meu Deus, fala baixo! - disse Simon puxando-o contra a própria vontade para um beco minúsculo que tinha entre as casas daquele quarteirão.

De certa forma, ambos concordaram de maneira implícita em manter alguns segundos de silêncio para não ocorrer nenhuma discussão maior. A dor no rosto também aumentava, mesmo que Anthony tentasse esconder isso, Simon sentia a culpa o devorando cruelmente, pois sabia da força que utilizara no próprio golpe. Ainda sim, foi ele quem tomou a iniciativa em perguntar:

— Está doendo muito? Deveríamos ir para casa para colocar algum remédio aí.

— Não importa. - respondeu Anthony com irritabilidade. — Eu vou perguntar só mais uma vez: o que deu em você hoje? - se aproximou mais ainda.

— Por que você me seguiu? Você deveria estar com a sua amante nesse momento, mas está aqui comigo num beco e com um olho roxo.

— E as duas coisas surpreendentemente são culpa de quem mesmo? Ah é, sua! Como vocês esperava que eu ficasse depois da sua cena? E eu não estava te seguindo.

Simon ficou constrangido com o comentário, mas não recuou nem por um segundo:

— Não tente jogar a culpa em mim por conta das suas próprias decisões! Não pedi em momento nenhum para você ler minha mente e assumir que sabe o que eu quero, porque você não sabe. - a última frase saiu baixa como um segredo sussurrado.

E o espaço entre eles estava quase acabando.

— Então o que você quer Simon? Pelo amor de tudo o que é sagrado, me diz o que você quer porque eu não estou suportando te ver taciturno e mal humorado. Eu só queria que nós nos divertíssemos hoje, como sempre fazíamos antes de morarmos sob o mesmo teto. É tão difícil isso? - o tom na voz de Anthony era de um desabafo ansioso.

E mais uma vez, naquela estranha noite, o silêncio foi o protagonista da cena, mas não por muito tempo. Os dois se encaravam profundamente e as respirações aflitas se confundiam com o vento gélido.

"O que eu quero?" pensou. Todo esse tempo ele sabia a resposta, mas negava-a si mesmo.  Negava a verdade e reprimia esse impulso desde o dia em que eles invadiram sua mente — no dia em que o viu pela primeira vez.

— Eu quero você.

E assim, Simon beijou Anthony.

Por uma fração de milésimos de segundos, o mundo parou de girar. Ou pelo menos, foi assim que Simon se sentiu no momento antecedente ao beijo. Quando seus lábios finalmente se tocaram, foi como se a Terra tivesse voltado aos eixos e desencadeado um choque sobre seu corpo. Simon estava assustadoramente encantando com aquilo. Os lábios de Anthony eram macios, não muito grandes, nem muito pequenos. Eram suaves e quentes.

Mas tudo se desmoronou em questão de instantes, quando Anthony se movimentou delicadamente, separando-os. Ele estava atônito com o que tinha acabado de acontecer. Simon o beijou. Levou sua mão aos lábios, tentando decifrar se aquilo tinha sido real. Não estava com raiva, nem com nojo, nem com medo. Estava em choque. Porém, o amigo, se é que deveria continuar chamando-o assim, parecia ter despertado do transe e estava terrivelmente assustado. Ele queria ter forças para chamá-lo. Para gritá-lo. Mas ele já havia saído dali correndo.


O Bridgerton teve que se apoiar na parede para não cair no chão ( de novo ). Tudo começou a fazer sentido. De repente, ficou claro, muito claro. Seu coração se apertou e se contorceu dentro da caixa torácica. Ansiava por Simon e por tudo que ele era. A admiração por aquele sorriso que o perseguia até em seus sonhos. Os toques inocentemente roubados.

Será que Simon também sentia isso? O que aquele beijo significava? Sua cabeça não conseguia parar nem por um instante e seus olhos corriam de um lado por outro tentando processar a descoberta. O que ele devia fazer?

A lembrança do duque começou a mexer com seus extintos. Uma agonia avassaladora o dominou. Precisava encontrá-lo. Devia estar há pelo menos dez minutos naquela posição encarando a parede como se ela fosse lhe dar alguma instrução. Reuniu forças para sair dali, correr e chegar em casa. Ele tinha que estar lá. Corria com rapidez, como se sua vida dependesse daquilo. Eram tantas coisas que começavam finalmente a ter lógica . Faltava mais uma rua, a que tinha uma leve inclinação para cima. Ele suspirou fundo, com o corpo exausto. Arduamente chegou ao prédio e enfrentou mais dois andares de escada, com sua face pulsando de dor. Já estava quase morrendo por falta de ar, quando percebeu que a porta com o número 4 estava aberta.

A sala, assim como a cozinha se encontravam-se vazias e desprovidas da presença de qualquer ser vivo. Anthony foi direto ao quarto dele, que ficava no mesmo corredor que o seu. Tentou empurrar a maçaneta, mas ele havia trancado por dentro.

— Basset - bateu duas vezes na porta. — Simon Basset, eu sei que você está aí. Abra a porta, por favor.

Nenhuma resposta foi dada.

— Simon - ele insistiu — Simon, vamos conversar, você tem que me ouvir. Abre essa porcaria de porta. - agora batia incessantemente naquela estrutura de madeira. Desse ritmo, com certeza algum vizinho acabaria acordando.

— SI-.... - antes que ele terminasse de falar, a porta foi escancarada por Simon, que estava com os olhos arregalados e inquietos pela insistência de Anthony.

— Você... - agora que chegara o momento, Anthony não tinha certeza das palavras que deveria usar. Era um assunto delicado para ser abordado de qualquer forma. Ele conhecia outros homens assim, até mulheres. Mas ele? Mordeu os lábios em preocupação. Vamos, alguma coisa tinha que sair. Apenas fale, pensou. Todavia, Simon interrompeu suas intenções primeiro.

— Eu sinto muito, Anthony. - disse pausando e olhando para o machucado dele, mas não conseguia encará-lo. — Sinto duas vezes. Não precisa falar nada, já estarei fora dessa casa pela manhã. Estou envergonhado e entendo caso você esteja com raiva de mim. Mas por favor, eu te imploro - sua voz falhava, baixa e constrangida — me deixe sozinho.

— Não.

A resposta firme e calma de Anthony o causou  um leve pânico. Naquele instante, parecia existir um abismo entre os dois, mas nunca estiveram tão próximos. O Bridgerton umedeceu os lábios e olhos inquietos dele alternavam sem parar entre a boca e os olhos de Simon. Sua respiração quente ficou mais evidente quando ele deu um passo lento para frente.

— Eu preciso de você. - Anthony disse tão baixo que foi quase impossível de ouvir. — Eu preciso ter certeza.

Não deu tempo para Simon sequer pensar nas palavras proferidas. Anthony colocou as duas mãos em seu rosto e o beijou.

um caso ilícito {short fic}Onde histórias criam vida. Descubra agora