MAIS UMA CARTA DE DESPEDIDA

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Oi, sou eu mesma que estou falando. Sei que vocês agora estão se entreolhando com cara de desesperados e se perguntando internamente como deixaram isso acontecer. Então aqui vai um pedido importante: não se culpem. A culpa é totalmente de vocês, mas hoje eu vou dar esse dia de folga. Podem ficar tranquilos, não vou voltar pra atormentar vocês por terem me feito tirar a própria vida. “Eu não imaginava que ela sabia escrever cartas suicidas”. É eu sei, essa não é a primeira, de fato. Talvez não seja a última. Eu gosto de escrever várias, até que eu veja que uma é boa o suficiente para que vocês entendam, ou melhor, para que vocês acordem.
Eu reformulei a minha frase pois vocês nunca irão entender. Pai e mãe, vocês nunca vão entender que as noites que escolhi passar no quarto e os dias que rejeitei um convite pra sair era só o meu corpo dando indícios de que a minha alma já não aguentava convivência humana. Caros amigos, vocês nunca vão entender que chorar todos os dias ou a maioria deles não é normal e não é frescura de adolescentes. Nunca vão entender que quando eu me afastava de vocês, era pra diminuir a dor de vocês que um dia iriam me perder. E então, quando eu percebia que vocês não notavam minha ausência, eu entendia que talvez vocês não fossem sentir tanta dor assim.
Aos meninos que me amaram, ou aqueles que eu gostei, vocês nunca vão entender quando eu sumia mais de 10 minutos no whatsapp. Na verdade, vocês nunca vão entender que eu sumia pra chorar. Eu sempre escondi minha dor, e vocês nunca fizeram questão de saber. Vocês nunca vão entender que quando eu errava, eu precisava do perdão pra não me sentir tão insuficiente.
Caros colegas de escola, vocês nunca vão entender o fato d'eu não deixar transparecer a minha dor. Caros professores, vocês nunca vão entender que os sinais que eu dava era estar de cabeça baixa na sala de aula quase o tempo todo, ou parecer concentrada porém, com o olhar distante. (Isso eram sinais, e vocês deixaram passar.) Caros coordenadores, vocês nunca vão entender como é ruim quando você limita um aluno a ser as notas que ele tira. Quantos suicídios vocês esperarão ocorrer pra começar a trabalhar a mente dos seus alunos para pensar que eles são mais do que boletins coloridos?
Caros familiares, eu sei que meu corpo é feio  e que desagrado a vocês. Mas vocês nunca vão entender o meu sorriso sem graça quando vocês resolviam criticá-lo. Nunca vão entender que foi por isso que eu deixei de fazer questão de estar nas reuniões de família. Vocês nunca serão capazes de entender que foi bem debaixo do nariz de cada um de vocês que sua sobrinha/irmã/prima/filha/neta viveu uma depressão e resolveu se matar.
A todas as pessoas que conviveram comigo e eu não citei especificamente no meu texto, saiba que vocês nunca irão entender como é acordar todos os dias se sentindo insuficiente. Como é não querer se olhar no espelho sequer pra escovar os dentes, porque se acha feia demais. Como é evitar sair pois sabe que as pessoas te lembrarão o quanto você está fazendo tudo é errado. Vocês não irão entender a minha dor. E não foi culpa minha por ter ficado calada ou não ter demonstrado. Então, vamos reforçar: vocês não entenderiam minha dor nem que eu a gritasse para os quatro ventos. Eu gritei. Gritei naquele dia que chorei no meu quarto até ficar vermelha. Gritei naquele dia que compartilhei algo sobre suicídio no meu facebook. Gritei naquele dia que postei no meu whatsapp que depressão é uma doença invisível. Eu gritei naquele dia que eu disse “não é nada” com lágrimas nos olhos. Gritei no dia em que você conversou comigo e eu simplesmente estava com o olhar em outro mundo e não conseguia te encarar.
Eu gritei durante tanto, tanto tempo. Que minha garganta se cansou e eu decidi me calar de vez. A situação começou a me assustar, no dia que eu vi que a morte talvez não fosse minha pior inimiga, não. Eu percebi que estava pelas últimas, quando a morte passou a ser quase um sonho. Algo que eu estimava. Não é essa tristeza que vocês sentem. Não é essa idiotice que vocês fazem quando passam um dia triste e dizem “eu quero morrer.” Não é isso. Querer morrer uma vez ou outra é normal. Depressão é quando a pessoa acorda todos os dias da vida dela, por uma semana ou mais tempo, carregando uma tristeza nas costas. E a tristeza pesa tanto, que começamos a andar de cabeça baixa.
E as pessoas fazem piadas, e nós damos risadas. E nós fazemos piadas, e vemos as pessoas rirem. E então em casa nós deitamos, encaramos o teto e nos perguntamos “por que ainda estou aqui?”.
Pra você que está agora lendo minha carta e me julgando como uma menina egoísta, eu quero dizer: pare de ler. Enquanto todo mundo achar que o suicídio é uma atitude egoísta, pois a pessoa não pensa em quem ela vai deixar, ninguém nunca vai tentar ajudar um suicida antes dele se matar. Você acha que dizer “pense em como os seus pais se sentiriam” ajuda? Isso não ajuda. Meus pais sentiriam, mas passaria. “E os seus amigos?” Mas que amigos? Parem de dizer a uma pessoa suicida quais são as consequências dela ir embora. Não é isso que nós queremos. Não quero saber o que muda quando eu me matar. Quero saber o que muda se eu não me matar. Você quer que eu fique, não é isso? Como vai me ajudar de agora em diante?
Talvez essa carta não seja falando sobre mim. Agora como vocês estão, olhando meu cadáver e penando sobre ele, talvez percebam que não adianta de mais nada. Não é uma carta pra vocês me ajudarem a viver. Eu estou morta. (Eu estou fisicamente morta, finalmente.) É uma carta para vocês aprenderem a cuidarem um do outro, e a perceberem quando alguém está morrendo por dentro. Minha morte foi interna antes de se tornar física. Eu comecei a morrer quando tinha 13 anos. Mãe, não faça essa cara de espanto. Muita gente morre jovem.
Minha morte começou muito lenta e repentina. Eu nem sabia que estava morrendo, então, não fazia nada a respeito. Mas aos 15 eu percebi, que minha morte era gradativa e insuportável. Aos 16 eu morri rapidamente. Todos os dias eu morria aos poucos, e ia morrendo, morrendo e morrendo. Antes dos 17 eu notei que a morte uma hora ia chegar. Ela bateu na minha porta esta noite. E eu pensei nos meus amigos. Pensei na minha familia, pensei no meu amor. Abri a porta pra ela e disse “seja bem vinda. Eu não aguentava mais esperar.”
Então aqui estou, deitada. Esperando que os remédios comecem a fazer efeito. E foi assim que eu morri. Foi assim que eu parti. É assim que a partir de hoje, vocês terão um peso a menos. Eu amo vocês. Nada é tão hipócrita quanto as lágrimas das pessoas que me ajudaram a morrer.
--Larissa Ritielly

C A R T A     A B E R T AWhere stories live. Discover now