impertinent

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Quinta-feira

Na minha cabeça os únicos dias realmente úteis na semana era Terça e Quinta visto que minha segunda era quase nula, minha quarta desanimada e a sexta um desastre do tédio, contudo a terça e quinta tinham um valor especial; eu via Gilda.

Lá estava eu almoçando sozinha depois da aula, minha manhã tinha sido calma apesar do incomodo de não ter visto Gilda, a nossa inspetora esclareceu que ela iria repor as aulas no sábado, mas viria para o "supletivo". Na cantina do meu colégio encontrava-me almoçando quase sem mastigar, tendo que engolir tudo de uma vez pelo fato do curto período de intervalo entre as aulas da manhã e da tarde.

--- Eu pensei que a fase sapata tinha passado --- Gabi falou despertando-me dos meus pensamentos e sentado ao meu lado na mesa da cantina.

--- Do que você está falando? --- não tirei o olhar do prato de comida e me fiz de desentendida.

--- Eu reparei os olhares que você anda dando na professora Gilda, nada contra o teu gosto, mas você não consegue ficar afim de alguém que não tenha meio século?  ---

No começo eu rir pela lembrança que ela teve em relação à idade das pessoas que eu me envolvia, mas depois fiquei seria.

--- Você ainda fala com ela? --- Gabi perguntou bebendo um pouco de suco esperando minha reposta.

--- Ela? De quem você está falando? --- Disse levantando minha cabeça pela primeira vez para olha-la.

--- Ué da Regina! Não é esse o nome da "velinha"? --- ela proferiu depois de ter engolido todo o suco.

Eu fiquei estática afinal fazia tanto tempo que não pensava em Regina a ultima vez que a vi foi indo viajar com o noivo para São Paulo, desde então uma ferida abriu-se em meu peito e deixei-a no esquecimento.

---  Não --- falei mais fria do que planejava

--- Não precisa se chatear Lena... Vamos mudar de assunto então --- Falou Gabi animada iniciando um assunto sobre livros de romance.

Gabi e Loretta faziam cursinho de redação nas tardes de Terça e Quinta, apesar de saírem mais cedo do que eu, nós estávamos almoçando juntas.  Hoje seria meu primeiro dia no "Supletivo" adjetivo carinhoso que Loretta nomeou ao meu 1º ano, após despedi-me delas fui em direção à sala do meu "supletivo particular" enfrentar mais algumas horas de tortura.

Quando sentei na carteira meus pensamentos foram diretos em Regina e foi assim até o final das três aulas de matemática.

Intervalo

"Plin Plin Plin Plin" ao ouvir esse som chega meu corpo agradeceu, não estava mais aguentando a aula de matemática, fui direto para cantina comprar uma água e algo para comer.  Ainda cheguei a ver as meninas e me surpreendi em vê-las conversando com Gilda, animadas e gargalhando. Quando Gilda me olhou ela fechou um pouco a expressão como se não gostasse de me ver, vendo sua reação apenas me virei e retornei a sala.

Viver no mundo de Gilda é difícil, eu nunca conseguia entender o que ela queria realmente, primeiro ela me instigava a avançar, mas depois recuava e criava um abismo entre nós.

--- Boa tarde meninos! --- ela entrou em sala deixando bolsa e livros na mesa e direcionou o olhar a turma.

--- Vocês devem saber que há um ano eu dava aula somente para o convênio e pré-vestibular, mas a professora Rosa encontra-se impossibilitada de dar continuidade ás aula então decidir tomar esse desafio para mim --- ela proferiu analisando cada um da turma.

--- Eu espero de vocês tenham responsabilidade e persistência --- na hora que ela falou responsabilidade me encarou e continuou

--- Eu não tenho prediletos em turmas e não costumo gostar dos privilegiados. 

Por qual motivo ela acha que sou privilegiada em algo? Por que essa implicância comigo? Foram os meus pensamentos ao ver suas indiretas em minha direção.

--- O Assunto de hoje é... --- dessa maneira ela se virou de costa e começou a escrever no quadro.

Fim de aula

Gilda passou a aula inteira me encarando e eu não me fiz de rogada eu a encarava também e a analisava de cima a baixo, quando ela se arrumou para sair eu prontamente comecei caminhar ao seu lado.

--- Você não tem medo de receber uma advertência? Por importunar a professora de português? --- Ela disse me olhando de lado.

--- Estou apenas me certificando que ela vai chegar inteira ao estacionamento --- disse sorrindo.

Ela abriu um sorriso e ficou calada, mas logo quebrei o silêncio.

--- Então você acha que eu sou privilegiada? --- falei tentando puxar um assunto.

--- Uma aluna que é protegida pela coordenação, orientação e direção na minha concepção é mais do que privilegiada --- ela falou parando e ficando na minha frente.

--- Eu não sou protegida ou privilegiada --- disse aproximando-me dela.

--- Você é sim! Não sei qual o motivo, mas pouco me importo não é meu trabalho fofocar, contudo garanto que não facilito a vida de quem é privilegiado. --- ela falou esperando uma reposta, porém de mim saiu apenas um sorriso de lado e mais uma encarada tentando desconcerta-la.

--- Você é impertinente! --- ela disse de maneira mais seria.

--- E você é muito bonita --- falei imitando seu tom de seriedade.

Gilda encarou-me surpresa, creio que ela não esperava uma paquera tão sem vergonha minha e eu não conseguia acreditar na minha cara de pau.

Quando dei por mim ela virou-se e foi descendo as escadas do estacionamento e eu continuei parada admirando-a.

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