Passava da uma da tarde. Como o tempo voava. Precisava almoçar, pois a fome era violenta. Conseguia ouvir meu estômago implorar por comida parecendo uma criança recém-nascida. Nada melhor para isso que as refeições feitas por Olinda Mancini, a robusta italiana dona de um pub inglês.
Atravessei a movimentada rua lateral da National Gallery, voltando ao pub, onde comprei o chá pela manhã. Olinda havia obtido prestígio com o estabelecimento, após vir para Inglaterra tentar a vida com o marido Vincento, um senhor carismático que lembrava aqueles apresentadores de canal de compras, que com sorrisos maquiavélicos conseguia fazer até mesmo um sovina com cartão estourado encomendar alguma coisa. Descontraído, ele sempre me fazia companhia contando histórias constrangedoras do seu país. Sabia que as inventava somente para me fazer rir ou adequar a algum problema meu. Acostumei a ter sua presença e a ouvir seus ensinamentos. Gostava dele, e o italiano sempre me cumprimentava animado como um líder de torcida.
– Hoje é um dia especial! – exclamou, ao me ver entrar no local.
Olinda preparava uma mesa na entrada. Ela sabia que eu sempre preferia comer observando a praça. No ar havia o aroma de suflê de morangos com mel e, se você já provou uma coisa desse tipo, sabe que um sorriso costuma ser pouco para pagar algo assim.
– Nossa freguesa predileta chegou atrasada hoje. Há algo errado, querida? – indagou Olinda Mancini.
– Nada de errado! – respondi. – Só estive na praça conversando.
Observei Vincento no balcão. O italiano, ao me ver, seguiu em minha direção. Puxei uma cadeira para ele se sentar ao meu lado. Queria ouvir sua voz confortante naquele dia inusitado.
– É feriado ou aniversário de alguém para ser especial? – indaguei o carismático senhor.
– Não, querida! – disse ele, ainda animado. – Sinto apenas ser especial.
– É... Hoje o dia está diferente! – concordei.
– Especial! – disse o homem, gargalhando. O tipo de gargalhada ouvida em
bar de stand up comedy. Aquela risada gostosa, que mesmo quem não entende a
piada sente vontade de rir.Repeti a frase com entusiasmo, torcendo para que ele ficasse feliz. Ele ficou por um tempo, mas logo uma expressão tomou conta de sua face.
– Sabe, menina, nós queremos lhe dar um conselho. Seus olhos têm pedido ajuda. Andam tristes esses dias. Estamos com o coração na mão, sem saber o que fazer por você. Se lhe pedisse um favor, faria? – perguntou, após ver uma quantidade do espaguete trazido por Olinda desaparecer do meu prato.
– Conselho? Claro, mas creio que não preciso...
O italiano me encarou, permanecendo calado. Nada que eu dissesse iria mudar a opinião dele. Como sempre, eu iria fazer qualquer coisa que me pedisse, porém jurava não estar triste.
– Tudo bem. Só para garantir, vá à floresta.
Senti-me chocada com o pedido repentino, como uma carta avisando a morte de um ente querido. Aquilo me fazia lembrar minha mãe. Somente ela e o casal sabiam sobre meu segredo. Mas ela cumpriu sua tarefa na Terra, depois foi embora do plano físico. Eles sabiam que logo eu seguiria o mesmo destino, então eram os únicos a me guiar, ajudando na longa jornada cheia de pedras. Contudo eu não me sentia digna de voltar ao local que me acolheu durante toda minha infância. Na última vez, ao pisar meus pés na floresta, havia dito coisas horríveis a entidades a que devia respeito. Do tipo que nunca repetiria na frente de minha mãe, muito menos de meu falecido pai. A floresta havia me decepcionado. Aquele assunto me trazia inquietação, e não conseguia mais ficar parada refletindo.
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A Fada
FantasyJOVENS COSTUMAM GANHAR presentes caros, viagens ou festas surpresas em aniversários de 18 anos. Melanie Aine ganhou o falecimento do pai, o abandono da mãe, uma estranha tatuagem e a descoberta de que não era humana. Como se tudo isso não b...