27 de Outubro - parte 3

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Estiquei os braços acima da cabeça, tentando me alongar. Sentia-me mal, e também suja, mesmo estando em lençóis aparentemente frescos. Os músculos estavam endurecidos por causa dos acontecimentos anteriores. Sabia que em breve ficaria um pouco dolorida. Mas o que me fazia sentir mais triste era me lembrar do olhar fuzilante de reprovação de Arthur. Precisava saber o porquê daquele olhar.


      Acordei quatro horas depois do incidente com o fogo. Arthur não estava no quarto, mas um clima de frieza pairava no ar. Na escrivaninha de mogno havia um pequeno bilhete feito em papel colorido. Peguei-o animada por me trazer a esperança de Arthur não estar chateado, mas a pequena frase estúpida me desanimou. Fiquei confusa como uma pessoa inexperiente assistindo a uma partida de xadrez profissional.

   Ao acordar venha à sala de lutas! Esteja preparada!

 Aquilo me parecia estranho. Havia crescido nas lutas marciais, duelando com meu pai, mas o bilhete me lembrava dos pequenos castigos que deveria enfrentar quando fazia algo errado. Arthur parecia querer me castigar de alguma maneira. Mas ele deveria se lembrar de uma coisa: ele não era meu pai. Não tinha essa autoridade. Ou tinha? Pelo menos não deveria. Homem nenhum mandava em mim. O bilhete havia me irritado. Ao mesmo tempo me deixado com medo.

     Tomei um banho rápido. Vesti meu quimono dourado, reservado para treinos e cerimônias. Decidi descer a escadaria em direção à sala de lutas. Optei pela forma mais silenciosa possível, da mesma forma que agia em um hospital, só para ver o que ele queria.

    Distante, conseguia enxergar a sala. Arthur meditava nela. A expressão serena, muitas vezes doce, havia desaparecido, reinando uma face séria, quase assustadora. Observava escondida. Vi que se levantou para pegar a espada parecida com a Excalibur. Ai, meu Deus! O que ele queria com aquilo?

    Minha observação foi interrompida com a voz do rapaz:

    – Por que está escondida?

    Havia algo estranho na situação. Arthur todo o tempo havia permanecido de costas, segurando a espada. Como sabia que eu estava lá? Impossível ele saber que eu me escondia atrás da parede. Saí do meu esconderijo lentamente, surpresa com o fato de ele haver me descoberto. Envergonhada, entrei calada no tatame, deixando-o tomar a dianteira na conversa.

    – Quer saber por que a chamei? – perguntou o garoto sério, encarando a parede.

    Concordei com a cabeça, esperando ele falar.

    – Vou te contar sobre a história da minha família – disse com a voz ainda séria. – Minha mãe, por todos esses anos, foi considerada a encarnação da Deusa na Grã-Bretanha. Decisão unânime de todas as bruxas europeias. Cresci sendo um príncipe Wicca. Vivi cercado de feitiços e encantamentos. Sempre fui feliz com isso. Magia sempre foi tudo para mim.

    Arthur pausou rodopiando a espada.

    – Por sermos importantes, fomos adquirindo inimigos. Na maioria, pessoas fracas. Os piores que tínhamos eram os religiosos. Padres que tentavam nos queimar na fogueira em pleno século XXI. Éramos discriminados por eles. Tínhamos que esconder nossas identidades, como fugitivos da lei.

   Ele rodopiou outra vez a espada com a agilidade de um ninja, pegando uma kunai presa na roupa e a atirando em um alvo na parede.

   – Há cerca de um ano, um líder do clero local se juntou com uma bruxa, arqui-inimiga da minha mãe. Queriam destruí-la. Eles traçaram um plano... No dia 11 de setembro, enquanto meus pais dormiam, o telefone tocou. Receberam uma ligação de uma pessoa da organização que eles participavam, a W.I.C.C.A., e Ingrid, a colaboradora que ligou, contou que Margo, a arqui-inimiga, havia entrado na sede junto com o padre. Haviam raptado alguns membros e os aprisionado no local. Ingrid parecia ter sido uma das poucas não capturadas.

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