26 de Outubro - parte 1

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 O céu começava a clarear na medida em que a noite desastrosa desaparecia. O vento soprava mais forte, mas o ar continuava abafado, diferente das noites gélidas. Ao redor, pétalas de flores caíam magicamente pelo ar, dificultando a visão. De onde elas surgiam eu não sabia, mas não conseguia me sentir à vontade como deveria com aquela visão tão bonita. As gralhas negras, do lado de fora da janela, pararam de fazer seu típico barulho. Em vez disso, empoleiravam-se nos galhos me observando. Não sabia se elas podiam realmente me observar, mas por alguma razão sentia isso. Esse tipo de pássaro encontrava-se em diversos parques de Londres, como no Regent's Park, mas algo me parecia errado com os bichinhos. Davam-me uma sensação macabra. Talvez fossem coisas da minha imaginação fértil. Não pensava com clareza desde a noite anterior, mas sem dúvidas as gralhas eram estranhas.

        Acordei confusa. Na verdade, sentia-me muito confusa com tudo. Ainda sentado na poltrona desconfortável, Arthur dormia encolhido. Cheguei a ficar com dó por ele ter passado a noite assim, mas depois me lembrei dos últimos acontecimentos. Então o sentimento foi embora pela minha vontade de o ver triste como eu. Tentava me lembrar de nossa última conversa. O cansaço era tanto que não me recordava quando tínhamos adormecido. Sentia-me presa naquela casa e tinha medo do rapaz. Com isso, o gosto amargo das lembranças voltou a me assombrar. "Esperava que você pudesse me contar...", essa tinha sido minha última fala. E Arthur havia afirmado: "Teria o maior prazer em explicar, se soubesse o que está acontecendo."

        Ficamos por muito tempo acordados, quietos, pensando em como o destino era engraçado. A tristeza da noite anterior ainda permanecia.

       Depois da inquietante observação, Arthur acordou, e preferi que isso acontecesse, pois não sei se conseguiria ficar por muito tempo na cama agoniada. Estava muito agitada para voltar a dormir e precisava ir embora. Não me restava nada para fazer na casa. Se ele não falasse comigo, naquele momento, iria embora. Havia decidido isso e não queria voltar atrás.

       Meus olhos estavam vermelhos, ardendo e pulsando como se estivessem em brasa . Aquele dia já parecia não ter fim, o mais triste era saber que havia um longo caminho pela frente. Muitas perguntas e poucas respostas.

   – Vou sentir falta – disse o rapaz, quebrando o silêncio.

    A primeira sentença dita por ele naquele dia, já não fazia sentido.

    – Do que irá sentir falta? – perguntei.

    – De suas asas.

    Então elas tinham sumido. Aquilo me dava uma sensação de alívio pelo corpo, principalmente no coração. Deviam estar curadas o bastante para se contraírem. Fiquei satisfeita. A minha expressão carrancuda desapareceu com a notícia. Trazia-me uma sensação de liberdade. Não podia mais voar, mas também não ficava restrita àquela casa. Podia agora ir embora sem problemas.

     Arthur levantou-se espreguiçando. Reparei que o rapaz fixou o olhar na janela, notando as gralhas empoleiradas. Será que ele também percebia a falta de som e o olhar sombrio delas?

    – Faz muito tempo que estão ali? – perguntou, indicando com a cabeça a janela.

     Respondi que sim, não tinha muita vontade de falar sobre assuntos triviais. Percebi que ele direcionou um olhar feio para os animais, mas eles não se importaram. Não iriam sair da árvore, enquanto alguém não os expulsasse. As pétalas mágicas continuavam a cair do teto. Não havia um botão para desligar isso? Meu humor não melhorava. As coisas ao meu redor pareciam se tornar mais pesadas, chatas, irritantes.

     – Hoje está um dia bonito – comentou o rapaz ignorando meu humor. – Que tal aproveitarmos a ausência de suas asas para passearmos? Posso ausentar-me da empresa. Assim poderíamos conversar.

A FadaOnde histórias criam vida. Descubra agora