Capítulo 01 - O Exílio

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A verdade totalmente verdadeira é que eu sei, tipo, três músicas na flauta: La Cucaracha, Yesterday e Amore Scusami. Aparentemente, isso faz de mim uma profissional aos olhos da minha amiga Lila. Acho que isso explicava porque eu estava indo para um mês no exílio com ela.

Por exílio você pode entender Acampamento de Inverno para Músicos Talentosos.

Talentosos. Oi?

― Você não está super animada? – ela perguntou, sentada ao meu lado no ônibus.

A definição de animação da minha amiga é tão boa quanto a de aptidão musical.

― Demais – respondi, me lamentando por não ter o poder do tele transporte quando as outras pessoas do ônibus começaram um estúpido joguinho de apresentações.

Encolhi-me atrás do banco para que não me chamassem para a apresentação. Só que isso foi exatamente a minha perdição.

― Você escondida aí atrás do banco, do lado dessa menina com uma camisa vermelha pode ser a primeira a se apresentar, pra perder essa vergonha.

― AMANDA, é você! – Lila me puxou pra cima.

Que droga.

― Hm, oi – disse meio baixo. – Meu nome é Amanda, tenho 17 anos e acho que toco flauta.

Todos os olhos do ônibus estavam me encarando, inclusive os do próprio monitor, quem me chamou para brincadeira. Ele era bem novo e, mesmo com a distância considerável entre nós dois, eu podia ver que os olhos dele eram azuis. Ele sorriu.

― Acha que toca flauta?

― É. Não sou muito boa, pra dizer a verdade.

― É SIM! – Lila se meteu. – Ela é ótima, só é muito humilde. 

Mandei um olhar chocado para a minha amiga, antes de ouvir o monitor dizer:

― Isso nós vamos ver quando chegarmos lá. Obrigado, Amanda, por se apresentar. Escolha alguém para ser a próxima vítima.

― Eu – Lila sussurrou do meu lado, então eu apenas apontei pra ela, enquanto me escondia de volta atrás do banco.

Não estava muito feliz quando o ônibus finalmente parou no nosso destino. Só piorou quando eu puxei a cortininha para dar uma olhada onde eu ia ficar nas próximas semanas.

― Olha Amanda! – minha amiga praticamente colou no vidro. – Que coisa MAIS LINDA!

O conceito de “coisa mais linda” de Lila não era também lá uma maravilha. Porque aquele prédio capenga e possivelmente cheio de fungos e mofo, no centro de um gigantesco quintal de grama alta, estava LONGE de estar dentro do MEU conceito de algo belo.

Pra não mencionar que aquilo era no meio do nada. Ainda que Teresópolis fosse uma cidade habitável, a sede do acampamento era muito longe do centro. Era muito longe de tudo, na verdade. Até da estrada principal.

― VAMOS! – ela praticamente saltitou pelo corredor do ônibus, como sua mala de mão grande demais esbarrando em todas as pessoas sentadas no lado do corredor.

Suspirei, jogando minha mochila nas costas e seguindo com cuidado para não esbarrar em ninguém. Ainda estava pensando em como raios eu deixei Lila me meter nisso. É claro que quando eu concordei em vir, ela não tinha me dito que o lugar tinha ESSE estado de conservação. Eu devia ter desconfiado. A porcaria do folheto que ela me mostrou prometia muitas atividades por um preço tão baixo! E, além disso, é um acampamento para músicos.

Músicos! Em que droga eu estava pensando?, me indaguei, enquanto Lila segurava o portão para que eu entrasse. Algumas crianças, batendo pouco acima do meu umbigo, estavam fazendo uma grande confusão na grama alta, com flautas, violões e sei lá mais o que. Os olhos de Lila brilhavam, enquanto os meus reviraram.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde histórias criam vida. Descubra agora