O que realmente desejamos, do fundo de nossos seres ? Fama ? Admiração ? Paz ? Não importa o que quisermos, esse almejo sempre acaba obstruído pelo simples fator que o quis em primeiro plano: Ego. A cada dia pisoteamos desejos alheios com qualquer simples decisão, seja essa a intenção ou não, de mesma maneira que outro indivíduo, a milhas de distância ou do outro lado do planeta age da mesma maneira, porque no fim, ainda que desejemos muito, continuamos escravos do nosso próprio ego.
Eu nunca compreendi como existem pessoas capazes de passar horas, até dias afinco ajoelhadas enquanto rezam. Os quarenta minutos que usei tentando me comunicar com a Faladoura já começavam matar meus joelhos e pernas. Sabia que quando abrisse os olhos, me depararia com a mesma bocarra aberta da árvore, afinal Fadouras foram batizadas por essa sua característica especial. Dizem que elas são tão antigas em Huologard, que suas raízes são conectadas ao núcleo da sua criação, e isso gerou seu vínculo especial com os deuses. Talvez daí venha o seu tamanho colossal, cada uma delas chega a ser maior em estatura e largura que as torres de um castelo, e as raízes se espalham por quilômetros, abrigando novas árvores e, como no caso dessa ilha sagrada, criando um bioma completo.
Verdade ou não, a árvore se manteve calada hoje quando mais precisei dela. Se alguém ouviu meu pedido, com certeza não se deu o trabalho de respondê-lo.
Quando abri os olhos de fato, havia mais do que o esperado. Mãos molhadas, camisa e calça encharcadas e o cabelo claro escorria pelo rosto. Fui pego numa pequena garoa nessa distração. Suspirei como costumava após algo assim e levantei com cautela, minhas pernas formigavam e o lodo estava mais escorregadio agora. Cigarras cantavam nos galhos mais próximos. Borboletas colhiam néctar de polilumis em todos os lados, perfumando o ar com um aroma doce. Por mais que tentasse, era quase impossível se chatear nas ilhas sagradas. Sem dizer que os druídas que tomavam conta do local mal se mexiam ou perturbavam os outros.
-Essa é uma visão rara por esses cantos
A voz familiar falou às minhas costas. Era Pedra D'água. Apesar de seu nome, ela não é uma pedra propriamente dita, apesar de ser uma criatura nascida do próprio planeta. A aparência era sempre a de uma mulher, jovem e de cabelo ondulado na altura dos ombros. Sempre me perguntava se ela mesma havia se designado para parecer daquele jeito, porque mesmo em meio à pele e cabelos azuis, um único ponto ganhava certo destaque, os olhos escuros pareciam uma falha naquilo tudo, mas ainda passavam certo carisma da parte dela.
-Eu não posso rezar mais ?- Respondi.
-Não...você disse que não fazia essas coisas daí fiquei curiosa. Aliás, por que saiu antes do culto acabar ?- Com um simples movimento de mão, ela espantou a água caída sobre mim.
-Não tem culto hoje pelo que eu saiba.
-Um ocorre neste exato momento, mas acredito que não tenham te convidado.
-Quer dizer...esses caladões ?- Apontei para o druída mais próximo, que ainda parecia dormir junto a uma pequena multidão.
-Gephen, os druídas preferem realizar as cerimônias no campo psíquico, para manter o meio ambiente da ilha intacto.
Desviei o olhar para os rostos de árvore deles por um momento.
-Bem, mudando de assunto -Ela começou- O que você veio fazer aqui de verdade ? Eu soube da sua carta de dispensa alguns dias atrás.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Conto dos Exilados:Reflexos de uma utopia opaca
General Fiction"O coração dos que foram exilados Quando tocados como um só Dentre fogo e neve sofisticados Mancharão o céu de angústia com dó Do momento que o mais alto pico manchado de negrume For todo seu ser ponderado Emendado, enriquecido e corrigido esse sopé...