'Com Amor...'

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Capítulo 58

Pov Autora

Aquela sala ficava mais aconchegante no período que antecede o natal e um pouquinho depois. Encarna sempre fora uma mulher cuidadosa, que prestava atenção aos pequenos detalhes. Costurava para lidar com a vida que tinha, era um tanto artesã nas horas vagas e fizera uma linda decoração na árvore. Por ela bolas de feltro vermelhas se mantinham penduradas por uma linha dourada que demorou um certo tempo até encontrar a que procurava quando fora no armarinho. Presentes diversos, coloridos, feitos com isopor recortado na forma quadrada também dividiam os ramos da árvore junto com as bolas. Mas o que achou mais bonito, e também mais difícil de fazer, fora a estrela que no topo se encontrava em volta dos pisca pisca. Eles acendiam e apagavam, a luz se demorava iluminando o ambiente e depois o deixava quase todo escuro, exceto pela que vinha da cozinha que mostrava a mesa bem arrumada.

Encarna tinha uma louça que usava só em épocas de festas, parte dela se quebrou em meio a tantas brigas com seu ex marido, mas a que ficou era suficiente para as três que se sentariam ali naquela noite.

Nesse momento, todo o aconchego que estava no ambiente definitivamente não se fazia presente nos corpos das duas que ainda estavam de pé se olhando. De vez em quando Macarena desviava seu olhar do da outra, reparando em cada detalhe de seu rosto, do tecido que vestia aquele corpo, do peito tentando controlar o coração que estava em disparada. A loira sentia como se tivesse que aproveitar cada segundo, como se aquela mulher à sua frente em breve fosse sumir e como se para ficar com algo dela em si mesma ela tivesse que capturar com seus olhos cada pedaço da árabe que, por sua vez, continuava estática sem saber o que se passava na mente da garota.

Macarena nunca se vestira com tamanha pressa. Ela usava uma regata preta, em cima dela o tecido de sua blusa xadrez de tons azuis contrastava com a cor da peça de baixo. Na parte inferior, uma calça jeans com alguns remendos parecia seu coração que nos últimos anos teve de ser costurado, remendado de diversas formas para que continuasse a bater. Nos pés, um all star vermelho um tanto encardido, pois esquecera de lavar, foi a última coisa que colocou e só o escolheu por se tratar de seus tênis favoritos.

Pov Macarena

Depois de um longo tempo que não sei dizer se foi confortável por ficarmos em silêncio ou incômodo porque tinha tantas coisas a dizer e no fim não disse nada, minha mãe desceu rompendo com aquelas sensações que me atravessavam e que me eram impossíveis de nomear. Ela nos convida animada a sentar na mesa, não sem antes abraçar Zulema e me deixar com um certo arrependimento por não ter feito o mesmo assim que ela chegou por aqui.

Na mesa a voz que mais ouvia era de minha mãe que fazia diversas perguntas para Zule que, por sua vez, respondia à todas de uma forma tranquila que ainda não havia me apresentado. Em um dado momento, não lembro qual, - eu estava me concentrando em sentir o sabor da comida para evitar pensar naquela situação - seus pés se entrelaçam nos meus. A bota que usava encostando no meu all star sujo me faz quase tirá-lo dali. A roupa dela estava impecável e talvez o que vestíamos apontassem o quanto éramos tão diferentes... Me pego pensando se foram pelas nossas diferenças que esse relacionamento não deu certo, e enquanto ainda ouço as duas conversarem fico triste tendo uma dificuldade de engolir a comida que estava em minha boca.

Porém, como que por um milagre, ao sentir mais uma vez a bota de Zahir roçando agora na barra de minha calça, a tristeza não está mais em mim. Ela sai dando lugar a uma dúvida, à perguntas referentes ao que se passa embaixo da mesa. Fico então meio patética por deixar, por permitir que ela continuasse o que estava fazendo... Todos os meus esforços em ignorá-la parecem que nunca existiram. Até que algo me convoca a participar da conversa, pois minha mãe questiona curiosa para mim e para Zahir uma coisa:

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