Outono; Jungeun e a garrafa d'água

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Lá estava ela, sentada no banco sem encosto enquanto sorria excessivamente para seu círculo de amigos, tão confortável ao sol como uma rainha em seu castelo. Na verdade, Jung Jinsol era, de fato, a rainha de toda a Loona High School, e ninguém contestaria uma verdade solene.

Campeã do time de futebol e chefe do jornal da escola, JinSoul, como ela preferia ser chamada, é a filha do governador da Califórnia, mas sua mãe e ela optaram por permanecer nessa nossa pequena e remota cidade, um antigo vilarejo que se desenvolveu gradualmente ao longo dos anos. Elas moram em uma enorme mansão a dez quilômetros do centro que é nada menos do que simplicidade — eu sei disso porque tive a oportunidade de visitar JinSoul no ano passado, em seu décimo sétimo aniversário, quando a Senhora Ha insistiu em convidar toda a escola para a grande festa de aniversário de sua filha.

Eu consegui beber algumas cervejas e até roubar bebidas no bar, por isso não considerei a noite uma completa perda de tempo, ao contrário de Yeojin, que não conseguiu encontrar a amiga a noite toda e voltou frustrada para o orfanato.

Olhava para a mesa de JinSoul a poucos metros de distância, evitando comer o almoço que minha supervisora me dera mais cedo esta manhã — tinha gosto de feijão estragado quando era supostamente para ser bolo de carne, e eu não tinha dinheiro para comprar o lanche da escola —, enquanto fingia ouvir Choerry reclamar de seu professor de Química, que a obrigou a apresentar um novo trabalho sobre moléculas porque seu original não tinha conteúdo.

Yerim odiava a escola e qualquer outra instituição obrigatória, assim como eu; entretanto, é claro, por razões totalmente diferentes.

Choi Yerim — Choerry, como ela forçava todos a chamá-la — é uma das minhas duas colegas de quarto no orfanato Loonaville. Filha de uma figura poderosa da sociedade coreana que engravidou uma empregada doméstica e mandou sua bastarda para o outro lado do mundo, assim como a carta que sua mãe deixara para ela na cesta em que fora colocada quando bebê dizia; ela tinha o sonho ridículo de se tornar uma grande cantora e conseguir encontrar seus pais, ou pelo menos a parte materna, já iniciando cursos gratuitos de canto e dança desde cedo no centro de artes da cidade e mantendo para si um nome artístico.

Tudo isso é desnecessário, na minha opinião, porque não acredito que garotas como elas não tenham chances assim na vida. É coisa de uma em um milhão e, além disso, é uma grande perda do tempo que ela deveria usar para entrar em uma boa faculdade, como eu.

Entretanto, evitava falar sobre isso na frente de Yerim; mas mais por compaixão do que qualquer outra coisa. Nós podemos não ser tão próximas agora, não como éramos antes, ano menos, mas Yerim continua sendo parte de sua família de uma forma estranha e fodida. Eu não gosto de vê-la triste porque a maneira como Yerim resmunga quando ela chora é irritante o suficiente para fazer-me perder a paciência. Então eu tento.

— E ele me mandou coletar amostras de gasolina em todos os postos da cidade e depois fazer um relatório detalhado da composição, comparando com o que ele me deu, que é o correto. Tipo, você sabe quantas estações tem na cidade? Cinco! — Ela movimentou os braços de forma exagerada enquanto falava e isso deixou-me doente. — Vou perder cerca de três aulas de dança, pelo menos!

— Então não faça, simples assim,  —  eu disse, pegando as ervilhas do trigo embrulhadas no papel alumínio a minha frente. Eu realmente me recuso a aquilo de bolo de carne. Aquela coisa não tinha nada a ver com bolo de carne.

— Você é louca?! Esse trabalho vale quase setenta por cento da nota final! Eu vou falhar muito-

— Então falte às aulas de dança. Ponto final,  — interrompi-a, já irritada, embora meu descontrole emocional não fosse inteiramente culpa de Yerim; eu estava pirando por causa do meu próprio dever de química, páginas e mais páginas de um relatório sobre uma aula que nunca tivemos. Incrível.

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