4. Borboletas até lá embaixo

2.3K 279 191
                                    

magnus

Magnus olhou para o celular pela milésima vez. Tinha pensado em pedir o contato de Alec, na aula de segunda. Entretanto, achou que pareceria desesperado caso pedisse o contato dele logo após ter dado o seu próprio. Estava esperando que Alec enviasse mensagem, o que ele disse que faria caso o professor respondesse.

Já era quarta feira, e nada. Obviamente Magnus tinha nutrido uma esperança de que Alec lhe enviasse mensagem sem um motivo específico. Aparentemente isso não ia acontecer. Ele encostou a testa no balcão da loja e gemeu internamente. A vida da gay que se interessa por héteros não é fácil.

Na verdade não sabia se Alec era realmente hétero, mas tudo nele parecia indicar que sim. Bom, "eu que lute", pensou. Voltou a levantar a cabeça. Era mais uma tarde entediante no shopping. Ninguém estava entrando para comprar nada e ele estava lutando contra o sono. Trabalhava das 8h às 18h, com uma hora de intervalo para o almoço. Mas como morava longe tanto do shopping quanto da faculdade, ele sempre ia dormir às 1h da manhã e precisava acordar às 5h. Isso lhe deixava muito exausto.

Sua rotina era muito corrida, e apesar de tentar não sucumbir, nos finais de semana sempre se sentia muito sozinho. Ele limpava a casa e tentava estudar um pouco. Se sobrasse tempo, costurava. Mas ainda assim, sentia falta de ter alguém com quem conversar. Tinha muito amigos, sem sombra de dúvida. Mas viver sozinho não era algo que ele, particularmente, gostasse tanto assim, embora morasse sozinho desde os dezesseis anos.

Agora, aos dezenove, parecia ainda pior. Ele era gregário, apesar de priorizar muito sua privacidade. Talvez isso tivesse piorado após a morte do tio Samuel. Ele era o único da família que mantinha contato com Magnus constantemente.

Magnus tinha sete anos quando a mãe suicidou. Na época, as pessoas não lhe contaram direito o que tinha acontecido, e ele se lembrava apenas da pesada sensação do vazio que ela deixara. Ele tinha ficado com o pai, que começou a espancá-lo e obrigá-lo a fazer as tarefas domésticas. Magnus não sabia cozinhar, mas teve que aprender, e além disso, teve que aprender a limpar a casa e lavar suas roupas e as roupas do pai.

Aos nove anos, soube que não era filho dele. Ele disse isso bêbado, após lhe atirar um cinzeiro. Magnus sentiu o chão se abrir sob seus pés. Na sua mente infantil, ele passara a venerar o pai, mesmo com todos os abusos. A perda da mãe lhe provocara um apego doentio àquele homem, que ele esperava ansiosamente que chegasse do trabalho, com uma mistura de medo e de contentamento.

O medo, normalmente, vinha do fato de que o pai quase sempre bebia após chegar, e lhe xingava ou batia. O contentamento era pelo fato de que pelo menos não estaria mais sozinho. O vazio daquelas paredes nuas e a falta da mãe, ainda impregnada em tudo, lhe dava arrepios. Preferia a presença violenta do pai à ausência absoluta de ambos.

Mas no fim, lhe sobrara mesmo a ausência absoluta de ambos. Seu pai anunciou à família que se mudaria para outro estado e não pretendia levar Magnus. Esse chorou copiosamente, mas se negou a pedir para que o pai ficasse com ele. Então, tia Emma o levou para morar com ela.

Ela era muito rica, e muito cristã. Não tinha nenhum filho e acreditava estar fazendo a caridade divina ao se propor a criar Magnus. Colocou-o em todas as aulas que pôde: francês, caratê, natação. E levou-o para a psicóloga. Foi na terapia que Magnus pôde descobrir algumas coisas sobre si mesmo. Inclusive sua orientação sexual.

Tia Emma não gostou nada disso. Quando ele disse, aos quinze anos de idade, que respeitava a religião dela, mas que era bissexual, ela ficou bastante nervosa. Primeiro ela tentou reverter sua orientação sexual. Depois ela tentou convertê-lo à sua religião. Quando nenhum dos dois planos deu certo, ela um dia bateu à porta de seu quarto. Olhou com desgosto para as roupas extravagantes de Magnus:

Meu amor é cego || MalecOnde histórias criam vida. Descubra agora