Capítulo 1

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— Eu tenho desejos nada naturais por outros garotos, senhor Pires — ele disse, com a voz fraca, já que estava quase chorando. Mas acho que ninguém quer chorar na igreja, na frente de um padre e na frente dos pais. — Mas eu quero me curar, de verdade, eu quero ser curado.

Os pais daquele garoto olharam para o padre como se estivessem desesperados também. Eles não querem ter um filho doente, seus olhos imploravam por "Padre, salve o nosso filho" e "Oh, Deus, ele não merece passar por isso." E é verdade, ele não merece, ninguém merecia.

— Bem, meu garoto, se você quer, você consegue, e eu vou te ajudar — foi o que o padre disse para ele, com um sorriso forçado e horrível. Acho que o sorriso do diabo é mais bonito do que o dele, muito mais. — Você sabe por que sua mãe colocou seu nome de Davi, não sabe?

— Sei.

— Então me diga, por quê?

— Porque eu posso lutar contra muitos gigantes.

— Sim, você pode, ao lado de Deus, garoto, nós podemos tudo.

Os olhos dele brilharam, confiante, ele vai derrubar o gigante. Mas o que ele não sabe é que ao lado de Deus não se pode nada. Se pudesse, ele não estaria aos pés de um homem qualquer implorando perdão apenas por amar.
Depois disso, todo dia ele estava aqui, Davi era seu nome. E foi assim que eu o conheci, mas ele não me conhece. Pergunto-me se ele realmente está se curando, já faz alguns meses.

*

Os portões pesados da igreja se abriram e fizeram um barulhão, não tinha como não escutar, as portas eram velhas e grande demais, literalmente gritavam quando eram arrastadas.
Quem saiu entre as grandes portas foi ele, como eu esperava. Lá estava ele como sempre, vestindo roupas adequadas, o cabelo loiro penteado e a bíblia no peito que ele segurava com bastante força com os dois braços. Era até bonitinho o jeito que ele segurava aquele tal do livro sagrado.

— Olá? — sua voz fez eco. — Senhor Pires?

Eu fiquei encarando ele por um tempo, ele estava tão perdido e deslocado. Sério mesmo que acham que ele vai lutar contra algum gigante um dia?

— Olá — a minha voz também fez eco. — O padre não está, vá embora, volte mais tarde ou amanhã.

Ele se assustou quando me viu, e isso fez ele segurar a bíblia ainda mais forte.

— Quem é você?

— John, John Pires. Você sabe o que significa John? — ele balançou a cabeça. — Significa "Deus é cheio de graça", idiota, não é?

— Você é filho do padre?

— Claro que não, padres não se casam — o encarei. — Eu sou filho do irmão dele.

— Não sabia que o padre tinha um irmão.

— Agora sabe — dei de ombros. — Você deve ser o tal do Davi.

— Como sabe?

— Eu já vi você conversando com meu tio — ele desviou o olhar para o chão, como se estivesse envergonhado. — Então você tem desejos não naturais por outros garotos?

— Sim, mas eu vou me curar — eu ri. — Do que está rindo?

— Não é nada — me levantei. — Vai embora, Davi, de preferência não volte nunca mais.

— Por que eu não voltaria?

— Porque é mais saudável — ele se sentou no banco que eu tinha acabado de me levantar. — Tudo bem, se quiser esperar, alguma hora meu tio chega para "te ajudar".

Davi ficou em silêncio, enquanto olhava para Jesus que estava pendurado em uma cruz que estava na parede. Também olhei para ele, era uma escultura bonita.
Relaxei meus ombros e fui embora.
M

inha mãe foi a primeira que me deixou sozinho no mundo. Assim que eu nasci, fui entregue ao meu pai e ela sumiu. Já o meu pai, não foi um pai tão ruim assim, ele cuidou de mim, mas éramos extremamente pobres, então viemos morar com o meu tio, seu irmão, o tal do padre da igreja católica que tem aqui perto. Meu pai ficava pior ao passar dos anos, não conseguia arranjar um emprego, e o único dinheiro que ele tinha era todo gasto em bebidas e cigarros. Ele sempre chegava em casa bêbado e meu tio e ele tinham uma briga feia. Meu tio estava sempre dizendo que ele deveria ir para a igreja, meu pai dizia que a bíblia era besteira. Eu não gostava das atitudes do meu pai, mas mesmo assim, ele me amou. Um pouco antes dele ir embora, eu contei à ele. "Papai, eu não gosto de garotas." Então com um sorriso enorme ele apenas me respondeu "Não conte para o seu tio, se não ele vai ser um pé no saco." Meu pai me amou, com certeza, mas também foi o segundo a me abandonar no mundo. Agora tudo que eu tenho é o meu tio, e não é como se ele já não tivesse percebido que tem algo de errado comigo, ele diz que vou ser igual meu pai, que eu deveria ir para a igreja. Às vezes eu vou, ele fica orgulhoso, mas eu só vou porque desde aquele dia o tal do Davi, o menino doente que meu tio quer curar, me chama a atenção. Eu me pergunto se algum dia ele vai descobrir que não existe cura para algo que nem doença é.


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