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Ouçam a música da minha bebê. Tema do livro, amoh

Observei os pássaros voarem da árvore mais próxima, me sentindo levemente mais calma depois da semana conturbada. Meu corpo está leve e eu sorrio com o barulho das crianças brincando, isso me traz paz. As risadinhas ao longe me fazem lembrar dela. Delas.

É inevitável não permitir que meus pensamentos voem até as duas pessoas que tomaram conta da minha mente nas últimas semanas.

Se eu fechar os olhos eu ainda consigo ouvi- la.

Se eu me concentrar, consigo sentir o cheirinho de bebê.

Um pouco mais de esforço e, eu consigo sentir seus bracinhos ao redor do meu pescoço.

Eu daria de tudo para sentir seu pequeno corpo de novo.

Suspiro alto ao sentir meu humor mudando aos poucos. É impossível que ele não mude depois de lembrar daquilo.

Eu sinto tanta falta daquele garotinha. Meu coração aperta ao pensar que nunca mais a verei e uma súbita e imensa vontade de chorar me invade, acompanhada de uma tristeza sem tamanho.

Eu só queria uma oportunidade de ver elas como Billie, uma oportunidade para que elas conheçam a Billie.

Samantha.

Sorrio ao lembrar dos cabelos longos e olhos penetrantes.

Como será que elas estão?

Não, essa não é a pergunta certa...

A pergunta certa é: elas realmente existem?

Eu sei que sim.

Ainda não me rendi a ideia de que foi tudo fruto da minha imaginação. Isso tudo não pode ter sido só uma pegadinha do meu cérebro.

Não pode ter sido uma alucinação.

Não foi uma.

Eu sei que não foi.

Existe uma teoria que diz que quando alguém está em coma, sua alma viaja pelo mundo espiritual e vai de encontro aos seus parentes. Meus anjos.

Talvez isso seja real.

Ou talvez tudo aquilo sim, tenha sido uma alucinação causada pela quantidade enorme de remédios injetados na minha corrente sanguínea.

Isso pode ter sido uma alucinação.

Somente isso.

Continuo andando, sem um rumo certo enquanto ouço a mulher ao meu lado falar sem parar.

Confesso que quando minha mãe me chamou para uma caminhada ao ar livre, minha primeira reação foi dizer não. Essa iria ser a minha resposta mas sua expressão animada me fez repensar.

Não poderia ser tão ruim assim.

Andar pelos cantos mais afastados do parque, longe de todas as pessoas e de toda a diversão não é o que eu chamaria de passeio ideal. Infelizmente com a vida que tenho, eu não posso controlar isso.

O outono nunca me foi tão entediante.

Os dias se passavam lentamente.

Não, eles não passavam.

Eles se arrastavam.

Eu era feliz, sei que eu era.

Eu preciso voltar a ser quem eu era, preciso voltar a me reconhecer.

A questão é, sem elas eu pareço estar perdida.

Eu estou perdida.

Levanto o olhar para as crianças brincando afastadas, a voz da mulher ao meu lado se tornando cada vez mais distante. Meu cenho se franze quando o Sol me alcança, me fazendo levar a mão cheia de anéis até o meu rosto. Pisco algumas vezes e  foco toda a minha atenção nas crianças na gangorra. Todas elas parecem ter em torno de seis ou sete anos, desvio o olhar para a menininha tentando alcançar o lado mais alto da gangorra.

Sorrio com a imagem de seus pequenos bracinhos estendidas, seu corpo sendo sustentado na ponta do pé enquanto ela se esticava o máximo que conseguia.

As crianças ao redor não dão atenção ao pequeno ser humano que se esforça para alcançar seu objetivo.

Aos poucos vejo a gangorra descer, lentamente enquanto ela continua esticada.

O casaco branco e felpudo faz com que ela pareça um filhotinho de urso.

Dou risada com o pensamento.

Aos poucos meu sorriso é desmanchado, tiro a mão do bolso para junta- la à outra em frente ao meu rosto, impedindo que o Sol dificultasse ainda mais minha visão.

Mordo o lábio ao ver o brinquedo de madeira chegando perigosamente perto da garotinha, sinto meu coração disparar e junto as sobrancelhas.

A gangorra continua descendo.

A garotinha ainda nas pontas dos pés.

Sua mãozinha encosta na gangorra e eu dou um passo em sua direção, o brinquedo vai acertar seu rosto.

Antes que eu possa fazer qualquer movimento, alguém puxa a menina delicadamente para trás.

Meu coração ainda está acelerado.

A mulher pega a criança que aparenta ter menos de dois anos de idade no colo. O lacinho preso em sua cabeça cai no chão. A mulher ainda não se virou. Prendo a respiração quando aquele rostinho começa a tomar forma. As duas estão viradas para mim de uma forma que só consigo ver o perfil de cada uma. O cabelo castanho caí sobre os ombros da mulher, em longas e bem hidratadas ondas. A garotinha agarra uma mecha com força e esconde o rosto no pescoço da mulher. A mais velha se equilibra com a chupeta e um pano na mão, se esforçando para não deixar que a garotinha risonha tombe para o lado.

Por um instante eu sinto meu coração parar.

Aos poucos tiro as mãos do rosto, percebendo que estou parada e minha mãe ainda está falando comigo.

Ouço ela me chamar mas não me viro.

Meus olhos fixos nelas.

Eu sabia que não estava louca.

Eu sabia que iria encontra- las.

Elas são de verdade.

São reais.

Aos poucos eu vou voltando a realidade. Pisco algumas vezes ainda com a respiração irregular e me viro lentamente para a mulher.

- Mãe, são elas.

Maggie me olha confusa, virando- se para ter a visão do parque. Faço o mesmo e sorrio para as garotas ali, rindo quando Samantha faz cócegas na bebê.

Eu sabia que não estava louca.

E pela primeira vez desde que acordei do coma, eu me sinto em paz de novo.

FIM!

Oblivion | b.eOnde histórias criam vida. Descubra agora