Primrose

575 117 325
                                        

"I don't wanna see you crying
You don't have to feel this emptiness."
- Sunflower, by Rex Orange County

Mary ainda tremia, e com certeza não era pelo frio. Ela sabia que Steven iria voltar para o apartamento, mas ela não queria vê-lo, ela não queria explicações, temia que ouvir a voz dele lhe deixasse enjoada. Não gritou, não partiu para cima dele, nem mesmo o xingou. Ela apenas riu sem humor, girando os calcanhares e indo em direção ao carro de Harry.

Como protocolo da Sunflower, era necessário o aval do cliente para que a entrega fosse completa e, caso ajustes, seriam feitos em um dia. Mas Harry deixou Alfie ali, estática, segurando o buquê e perguntando a Steven o que estava acontecendo antes de tomar qualquer decisão precipitada. Ele abriu o carro e loira entrou, cerrando o punho e deixando algumas lágrimas caírem.

— Posso dormir na loja hoje? — pediu, sem virar para o encarar. — Se você disser não, vou dormir lá de qualquer jeito.

— Ao menos troque as fechaduras, Mary. — se esticou para passar o cinto de segurança pelo corpo dela. — Você pode ficar no meu apartamento.

Ele não podia tirar mais vantagens dela, e Harry não deixaria isso acontecer. Por sempre estar perdendo suas chaves, ele discou o número de seu fiel chaveiro, pedindo que ele fosse até o endereço solicitado urgentemente. Ele dirigiu pelas ruas já um tanto vazias pelo horário e vez ou outra virava para encara-la, que chorava tão baixo que, se não fosse seus tremores, sequer perceberia. 

Não era a pessoa mais indicada para ajudar com corações partidos, mas ele não gostava de a ver dessa forma: ela nunca esteve tão quieta, e preferia não tentar imaginar o que se passava por sua cabeça. Harry ligou o rádio a fim de diminuir a tensão, mas músicas românticas tocavam e ele sentiu vontade de se bater, desligando rápido e voltando sua atenção ao trânsito.

Ela saltou do carro quando o moreno estacionou na frente de seu prédio, Harry fez o mesmo e percebeu que Milosz já estava ali com suas ferramentas. Mary não morava longe da loja, era um apartamento simples no centro, onde morava com Steven há pelo menos três anos, juntando todas as suas economias para pagar. Inconscientemente agradeceu ele por ter tomado tal atitude, se sentia fora de controle. Ela queria gritar o mais alto possível, o suficiente para que o ar faltasse e ficasse cansada, talvez dois dias sem falar direito e poupando Harry de suas cantorias.

Ao saírem do elevador, no décimo primeiro andar, Mary pegou a chave no pequeno compartimento e abriu a porta num solavanco, entregando-a para Milosz e agradecendo. Harry permaneceu na porta, acompanhando o trabalho de seu amigo enquanto assistia a menina pegar os porta-retratos espalhados pela casa e jogando tudo no lixo. Ele viu os sapatos de Steven perto da porta, seus casacos escuros pendurados junto aos de Mary, alguns papéis de seu trabalho bagunçados na mesa... 

De fato, não seria fácil para Mary.

Porque ela sempre fora ingênua, uma romântica incurável, a menina que provavelmente acreditava em contos de fada e, principalmente, que Steven era seu amor para a vida toda: o primeiro que apresentou para sua família, o primeiro que lhe levou para uma viagem, o que aceitou ter uma vida ao seu lado e lhe deu um anel de namoro.

Mas Harry sabia de tudo sem nem ao menos perguntar, afinal, Mary era um livro aberto e adorava falar sobre sua vida. Uma noite antes do primeiro evento que a menina organizaria ao lado de seu mais novo chefe, ela cantou músicas estranhas enquanto ajustava os vasos e, quando cansou, ela contou tudo a ele, que ouvia atentamente mas não tão feliz.

Aquele babaca não a merecia.

Os quadros iam sendo quebrados de forma audível, Milosz tentava não ficar curioso sobre o que havia acontecido mas parecia impossível, apesar de Harry ter sibilado que iria contar tudo depois, detalhe por detalhe. Ele estava pronto para intervir caso necessário, Mary sumiu pelo corredor e entrou na última porta. Ali, a menina pegou uma mochila e abriu sua parte do armário, pegando peças de roupas aleatórias e jogando ali, sabia que se ao menos tivesse dobrado as peças direito caberiam mais, mas apenas socou tudo e fechou, segurando pela alça e desligando a luz.

Sunflower [H.S] [PT/BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora