CAPÍTULO I - A Noite

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A lua tinha tomado seu lugar e brilhava como nunca. Parecia até que ela tinha consciência do quanto Pilar necessitava da sua presença para não se sentir sozinha enquanto caminhava contra o vento impetuoso daquela noite. Estava mais frio do que nunca e as rebotes derrubavam folhas com a mesma frequência que os dedos da garota tremiam envolvendo um livro de capa dura e cor de vinho. Era uma herança de família. Algo importante demais para ficar longe de seu sangue por muito tempo.

Ela encontrou um campo iluminado por pequenas luzes amarelas, tão discretas quanto sua presença no meio daquela ventania. As árvores, tão grandes e encantadoras, podiam sentir seu medo e apreensão que vinham da solidão no meio daquele escuro o qual se ouvia apenas o grito dos ventos. Ali havia uma grande casa feita completamente de madeira, da qual algumas pessoas chamariam de "cabana". Ela tinha sido feita à mão e era mais antiga do que aparentava. A garota seguiu por sete pequenos degraus até se assustar com os próprios passos sobre o chão de madeira que formava aquela pequena varanda frente ao campo. A casa ficava bem no meio das árvores. Era possível perceber porque as janelas davam as mãos às folhas perfeitamente verdes — Pilar deu duas batidas educadas, apesar do frio.

Sem muita demora, alguns passos se aproximaram da porta na parte interna da casa, e ela pensava no que dizer caso não fosse Micael quem a abrisse. Micael era um grande amigo. E a porta se abriu antes que ela formulasse uma frase completa.

— Bellini? — perguntou ele, chamando-a pelo sobrenome e franzindo a testa inicialmente. Em seguida, abriu um largo sorriso ao passo que abria os braços para um abraço acolhedor. Por sorte havia sido Micael a abri-la.

A garota caiu em seus braços com força, como se afundasse em uma pilha de edredons quentes no meio de uma sauna. Ele tinha um cheiro cítrico e era extremamente quente. Sua camisa, puxada pelos dedos da menor que estava aliviada em vê-lo. Micael pôs uma de suas mãos sobre os fios castanhos da garota e retribuiu delicadamente o abraço antes de sentir suas mãos descerem sobre seu tronco junto com um sorriso fraco, como quem se preparava para uma boa explicação. Micael era o segundo irmão mais velho, antecedendo Ferrer, Vítor, Athalia e Cauê, o adolescente. O primeiro era Diogo, o mais ríspido.

— Eu trouxe isso — disse ela, mais baixo que de costume, entregando o livro pesado em suas mãos. Era uma herança de família. Da família dele — sei o quanto é importante para você. Eu o encontrei perdido na biblioteca.

— Você veio até aqui para me entregar o diário do meu avô? — perguntou ele, incrédulo.

Aquela pergunta formou uma pontada de aflição no peito de Pilar. Ele provavelmente lhe daria um sermão sobre a tempestade lá fora e os riscos que ela havia corrido, mas não. Ele sorriu com orgulho e beijou sua testa delicadamente com o máximo que poderia agradecer com palavras. Você é muito corajosa. Obrigado por ter se arriscado.

De cima foi possível ouvir alguns passos assimétricos e surpresos. Com as mãos no corrimão de madeira lisa, cessaram o quarto passo da escada quando avistaram Pilar, quem quer que fosse.

— Não me disse que tínhamos surpresa — e continuou. Era Athália, a irmã de Micael. Ele, ao todo, possuía cinco irmãos. Um deles era Vítor Tupã. Um caso complexo a ser contado. Talvez fosse por isso que a casa necessitasse ter o tamanho que tem — É a primeira vez que a donzela tem a audácia de vir nos visitar.

Athalia dizia coisas instigantes sempre que tinha a oportunidade. Ela e Diogo, o irmão mais velho da casa, em específico. Seus olhos pretos esbanjaram descaso e arrogância, enquanto seguia diretamente para a cozinha sem permitir abertura para mais explicações.

— Vem, senta aqui perto da lareira — ele esticou o braço e a puxou cuidadosamente pelo pulso para se sentar no sofá — você está congelando.

— É muito gentil da sua parte, Micael, mas eu preciso voltar — disse ela, ajeitando o casaco de algodão ao tronco — eu só queria entregar o livro para você. Sei o quanto é importante.

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