Perdida

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Eu tinha apenas quinze anos de idade quando fiz meus primeiros programas. Mari estava tão ocupada trabalhando que sequer percebia o tanto que eu saía a noite e até mesmo durante o dia.
Tive alguns padrastos durante minha vida com Mari. Eu confiei em poucos e desconfiei de todos. Alguns usaram o namoro pra se aproximar de mim, mas Mari não estava tão atenta assim pra perceber. Eu já não falava nada com ela, pois estava iludida achando que eu me achava a irresistível.
Casos assim são complicados e, foi preciso muito jogo de cintura pra fugir dos assédios. Já acordei de madrugada com o barulho da fechadura na porta sendo forçada, estando trancada. Eu não me arriscava deixando a porta aberta. Cheguei em casa uma vez e encontrei outro namorado dela nu no meu quarto me esperando. Passei maus bocados, mas não cedi a nenhum deles.
Eram namorados da minha própria mãe! Jamais faria isso com ela! Eu já era garota de programa, mas nunca fui insensata a esse ponto. Apenas um descobriu que eu fazia programa e foi preciso muita paciência e jogo de cintura pra sair fora dele.
Mari já havia terminado o relacionamento. Seu nome era Fábio. Jamais vou me esquecer. Eu estava em casa e recebi uma mensagem pedindo um programa para aquela mesma noite. Marquei e fui. Não me vestia com roupas muito decotadas pra não chamar a atenção, então fui de vestido simples e sandálias.
Antes de chegar ao local decidi vistoriar pra saber quem era. Era um jogo que nós, garotas de programa, fazíamos pra nos precaver. Ele me disse que me esperaria na praça do bairro e, da esquina de onde ele não podia me ver, eu liguei pro seu telefone com o telefone de outra garota que estudava comigo e que sabia dos meus esquemas.
De longe eu o reconheci. Quase engasguei. Era mesmo Fábio, ex namorado da minha mãe! Ele já havia me chamado pra sair várias vezes escondido de Mari, claro. Me passava cantadas e ficava observando meu corpo quando passava por ele quando estávamos em casa. Era insuportável, mas eu o tolerei até que Mari terminou o relacionamento e ele não voltou mais na nossa casa.
Naquele dia pedi minha colega de trabalho que me cobrisse e que ela podia ficar com o dinheiro dele. Ela foi e acredito que ele ficou um pouco decepcionado porque estava certo de que era comigo que ele havia marcado. Ela disse que seu nome era Alexia e ele acreditou. E foi assim por vários dias até que ele sumiu. Nunca mais o vi, para minha alegria.

Naquela noite Pietro e eu jantamos no restaurante do hotel. O local era amplo e espaçoso, incrivelmente ornamentado com várias plantas e muita luz. Estava cheio de hóspedes turistas de vários lugares do país e do mundo, até. Podíamos ouvir as conversas animadas e várias famílias reunidas.
Sentamos em uma mesa do lado de fora do salão, mais isolados. Fazia calor e, pelo que eu conhecia da minha cidade natal, não demoraria a chover. A primavera havia chegado bela e quente. No Rio de Janeiro era assim: durante o dia fazia um calor de quarenta graus e a noite essa temperatura diminuía somente por causa dos ventos marítimos, mas ainda assim era quente.
Frente à frente estávamos e, por uns momentos vi que o olhar de Pietro mudava. Ele me observava da mesma forma, intenso porém agora mais curioso do que antes. Como se sempre quisesse saber algo sobre mim.
- Amanhã saio cedo. Devo ficar fora o dia todo. Espero que não fique entediada na suíte. - seu sotaque italiano sensual me encantava.
- Também espero que não - eu sorri, bebendo um gole da água gelada que nos foi servida.
- Pode ir à praia, nadar um pouco. - Igor estará a sua disposição. - ele estendeu sua mão e tocou a minha que estava sobre a mesa. Senti meu coração acelerar e meu rosto queimar. Ainda bem que estava a noite e ele não poderia ver meu rosto vermelho. Não ousei tirar minha mão. Seu toque suave fazia meu corpo aquecer.
- Ótima idéia. - concordei e ele continuou me olhando curioso. Seu olhar parecia ler tudo em mim. Nem as luzes faziam com que ele desviasse o olhar, muito menos as pessoas nas mesas ao nosso redor. - Algum problema? - perguntei e ele balançou a cabeça negando. - Quer saber mais alguma coisa sobre mim?
Ele sorriu e eu vi mais uma vez o quanto era lindo seu sorriso maroto. Encantada eu estava por aquele homem. Isso era impossível negar.
- Claro - ele perguntou e soltou minha mão enquanto segurava seu garfo e sua faca pra cortar os legumes cozidos da salada. - Conte-me algo que eu não saiba sobre você. Ou que pelo menos você acha que eu não saiba.
Seu pedido foi um tanto desafiador novamente. Era estranho Pietro saber coisas da minha vida visto que, pelo que eu sabia, eram raros os que procuravam saber sobre minha vida pessoal. Eu era contratada apenas pra satisfazer seus desejos carnais e saber sobre a vida pessoal já era demais para alguns.
- Bom, - eu pensei - tenho realmente vontade de investir na bolsa de valores.
Pietro olhou-me surpreso. Eu não havia confirmado o que dissera a Lincoln aquela noite na boate que nós havíamos ido. E também eu nunca havia falado sobre isso com mais ninguém a não ser Alex e nossa conversa foi a poucos dias atrás.
- Eu sabia, só não tinha certeza - Pietro bebeu do seu vinho gelado. - É um mercado promissor, você vai se dar bem se fizer isso.
Eu sabia que havia tocado em algo do interesse dele, visto que ele também tinha bastante entendimento com respeito à ações da bolsa. Pietro era sócio majoritário em várias empresas devido a investimentos altos que fizera e isso lhe conferiu poder e status no mundo, até.
- Também acredito que sim - concordei enquanto bebia do meu vinho.
- Não sei se você sabe, mas tenho um pessoal que trabalha com isso. Eles te dão todo o suporte para as negociações de compra e venda na bolsa, além de te incluir em uma plataforma exclusiva sobre esse tema.
- O que é isso? Propaganda? - eu brinquei achando graça do entusiasmo dele.
Pietro sorriu, abaixando os olhos para a taça de vinho. Sua mão brincava com a base de vidro da taça na mesa.
- Você sabe que existe pessoas dispostas a tudo nesse mundo. Pessoas más que estão de olho no seu dinheiro e só esperando uma oportunidade pra te tragar. - ele falou sério e eu concordei, pensativa.
Certamente ele enfrentava esse tipo de gente todo o tempo em seus negócios. Pessoas ambiciosas que dariam tudo pra tomar o que ele construiu com tanto afinco. Nesse momento senti ternura em meu peito e desejei abraçá-lo. Pietro era um homem seguro e que, com certeza já enfrentara muitas decepções em sua vida.
- Existe mesmo - eu o olhei, séria. Pensei em quantos encontrei pelo mundo querendo me diminuir e ao mesmo tempo me humilhar por ser quem eu era. Eu podia não ter o melhor emprego do mundo, mas jamais poderia aceitar menos do que queria.
Sempre trabalhei independente se era como profissional do sexo ou não, o que importava era que agora eu não dependia de ninguém pra ter o que eu quisesse e fazer o que eu sempre sonhei. Essa foi minha meta no início e continuava sendo.
- Você nunca pensou em se casar? Ter filhos talvez? - a pergunta de Pietro pegou-me de surpresa. Quase engasguei com o vinho. Tossi disfarçadamente e ele percebeu que havia ficado embaraçada.
Entregou-me um lenço de papel para limpar o vinho do canto da boca. Sorrindo ele me observava. Eu não esperava esse tipo de pergunta. Fiquei tão nervosa que não o olhei nos olhos.
- Me desculpe - pedi, disfarçadando o embaraço. Pietro apenas sorriu não deixando de me olhar. Eu bebi um gole longo de água pra fazer descer pro meu estômago todo o nervosismo que sentia.
- Está tudo bem - ele sorriu bebricando do seu vinho e achando graça do meu embaraço. - Foi só uma pergunta.
- É que eu não estava esperando. - me senti uma tola pela vergonha. Olhei-o e ele parecia ainda esperar a resposta. Respirei fundo. - Bom, me casar? Não sei. Quem sabe um dia - bebi do vinho mais uma vez. Pietro sorriu pelo canto da boca e eu me senti ainda mais boba pela vergonha.
O garçom veio tirar os pratos e eu aproveitei pra respirar em paz. Pietro havia pedido doce de leite simples como sobremesa e eu pedi um mousse de maracujá. Logo o garçom trouxe as sobremesas geladas.
- E você, não pensa em se casar? Ter filhos talvez? - provoquei-o enquanto ele experimentava o doce na pequena taça de vidro. Ele não pareceu envergonhado quando ouviu minha pergunta. Parecia acostumado a ouvir esse tipo de pergunta.
- Não sei. Quem sabe um dia. - e olhou-me e eu pude sentir o calor do seu olhar sobre mim. Eu não sabia o que aquilo podia significar, mas de uma coisa eu sabia: estava amando aquele homem. Era uma loucura, mas era a verdade.

A Acompanhante do Italiano ( Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora