I. Vazio

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Era diferente daquela vez. Era como se no fundo todos sentiam que aquilo não teria um final feliz ou perfeito, ou como se tudo o que viesse a partir dali fosse apenas um completo vazio, que mais cedo ou mais tarde acabaria com tudo.
Mas, o que é o fim? Não é tão simples de descrever o que um ponto final pode significar de verdade, já tudo o que podemos dizer é que ele simboliza o fim da frase ou do texto. Mas nossa vida não é um simples texto, e por isso, o que é o ponto final da nossa história?

1999

USA, ESTADO DE MARYLAND

Cindy passeava pelas ruas de sua região, com seus fones de ouvido reproduzindo uma música de rock bem agitada e vibrante no volume máximo, fazendo com que qualquer pessoa que se aproximasse dela em uma distância de alguns metros escutasse aquele som de batidas fortes e incessantes que para a garota soavam como uma calma sinfonia. Isso porque, Cindy se sentia confortável e relaxada ao ouvir um som agitado como o daquele Rock; era como se expurgasse todos os seus medos mais sombrios, expulsasse suas energias negativas e descarregasse sua alma conturbada. O rock para ela, era um alívio, uma válvula de escape de sua realidade vazia e sem sentido. A garota se sentia sozinha, e era por isso que recorria a cores escuras em sua roupa e maquiagem, pois ela tentava de toda forma representar o que sentia: Nada.

O vazio que Cindy sentia parecia consumi-la por dentro, mas a garota ainda se mantinha de pé com o resto de sanidade que existia em sua mente, o que era suficiente para que ela apresentasse sempre um lindo sorriso no rosto e uma expressão que apesar de cansada, ainda transmitia esperança.

Conforme o rock agitava todos os neurônios de seu cérebro, a garota passava cada flash de seu dia em sua mente, como se quem quisesse encontrar uma única memória que soasse segura o bastante para que ela refletisse sobre: Seu dia começou com um esporro diário de sua mãe, pedindo para que ela tomasse um rumo em sua vida, afinal eram 23 anos sem nenhuma pretensão do que viria a seguir; a garota então saia para tomar aulas da faculdade, a qual pensava em desistir durante cada segundo que passava lá.
Era na faculdade que a garota nutria os únicos laços com a sociedade que ela ainda tinha. Seus três colegas eram de longe chegados o bastante para que pudessem ser chamados de amigos. Isso porque Cindy mantinha com eles o contato mais básico possível, evitando criar laços afetivos. Na mesma faculdade, tinha que conviver com os professores e outros colegas que ela detestava e não conseguia entender como conseguiam ser tão alegres e extrovertidos, coisa que ela tentara reproduzir no passado, sem êxito.

Fora da faculdade, Cindy passava pela rodovia de a pé, tomando o rumo de sua casa. Como ia de carro com sua mãe, precisava voltar andando, agora que sua mãe estava trabalhando. Ela andava por uma faixa urbanizada e um trecho na estrada rural, passando por entre as enormes coníferas que viviam envoltas por uma névoa fria e sem vida.

Das coníferas, era possível ouvir sons e rugidos de animais e outras criaturas indistinguíveis. Era como se dentro daquela floresta, residisse criaturas desconhecidas pelo imaginário, pois quando mais se focava em alguns sons, mais misteriosos e confusos eles ficavam.
Tudo corroborava para a criação de um cenário sombrio, e que piorava ainda mais com as histórias de desaparecimentos que existiam naquela região, que sempre eram inexplicáveis.

Quando uma pessoa sumia por aquelas bandas, era mais fácil a família se conformar que elas nunca seriam encontradas, visto que ninguém nunca havia sido, nem mesmo seus corpos ou qualquer vestígio. Esse fenômeno fazia com que os pais segurassem seus filhos em casa ao anoitecer, e fazia até mesmo os adultos correrem o mais rápido que pudessem, já que aparentemente os desaparecimentos eram de pessoas de idades variadas. 13, 34, 21, 45 e por aí vai.

Enquanto caminhava por essa estrada rural, Cindy pela primeira vez deixava de viajar em seus pensamentos para olhar para cima, e se deparar com nuvens carregadas se formando no céu:
- Vai chover - Falava a garota para si própria - É melhor eu acelerar meus passos - Completa ela pensando para si.

De fato, o tempo estava se fechando rapidamente, escurecendo o antes iluminado e ensolarado dia, que perdia fôlego para as escuras nuvens que chegavam na região. Era como se fosse chover uma tempestade, com requintes de violência da natureza, tendo direito a ventania, raios e muita água. Pois conforme as nuvens ficavam mais carregadas, o céu ganhava uma coloração mais sombria e perigosa, que faria com que qualquer pessoa quisesse se abrigar o mais rápido possível. Era o que Cindy fazia: A garota agora corria a passos largos na tentativa de se abrigar em sua residência antes que a água começasse a cair.

É nesse momento, que numa tomada já sombria, causada pelas nuvens carregadas, um carro surge na estrada se aproximando de Cindy sem que a garota notasse. A menina estava tão distraída com sua música soando alto em seu fone de ouvido, que nem reparou a chegada de um novo carro. O motorista dirigia com um olhar aficionado na garota e reduzia a velocidade na medida que se aproximava dela.
Com a chegada do carro, o alto barulho do motor conseguiu finalmente suprir o som dos fones da garota, fazendo-a tirar e olhar para trás com uma face espantada, ao ver o carro quase sobre ela. O motorista então pisou no freio, fazendo com que o carro parasse de vez com um som agudo vindo do atrito no asfalto. Ele então gira a manivela de sua janela, abrindo-a lentamente e permitindo que Cindy visualizasse sua face por completo, antes impossível devido ao plástico de insufilm Black Out. 
A garota faz uma expressão estranha ao ver a cara do sujeito. Sua face era um tanto abatida, aparentava ter mais de trinta anos, com barba a fazer e rugas visíveis... Seu cabelo parecia descuidado, tanto que ele usava um boné para esconde-lo. O silêncio constrangedor que já durava quase um minuto é quebrado quando o homem diz:
- Precisa de uma carona? - Ele falava com uma certa expressão de sarcasmo.
- Eu já estou perto de casa - Fala Cindy desconfortável, ao ver que aquele rapaz não tirava os olhos de seu corpo, vidrado em sua cintura.
- Fala sério, vai começar a chover a qualquer momento - Diz ele com um sorriso forçado de canto e um tom cada vez mais sarcástico.
- Eu... já estou mesmo perto de casa, mas obrigada - Após dar essa resposta, a cor fugiu-lhe do rosto, quando viu que o homem havia fechado a expressão, em algo próximo à raiva.
- Vai chover... aceite minha carona - Insiste o senhor destrancando a porta de seu carro. Aquele som de clique na porta havia sido suficiente para fazer o sangue da menina gelar, e ela começar a dar pequenos passos em recuo.
- Já disse... minha casa é logo ali... por favor me deixe em paz - Fala ela apresentando uma expressão de nervosismo.
- Venha.. fique calma - O homem sorri com escárnio, deixando evidente suas reais intenções
- Já chega... por favor para - Fala Cindy. Neste momento, um raio cruza os céus, fazendo um clarão e um alto som de estrondo do trovão. Cindy então solta um grito de susto e o homem solta uma gargalhada colocando suas mãos na cintura e acidentalmente puxando sua jaqueta para trás, revelando uma faca afiada presa em sua cintura.
Os olhos de Cindy arregalaram-se ao ver a arma, deixando seu rosto já vazio agora sem expressões. O homem percebe que ela havia visto e leva a mão na cintura, agora intimidando-a:
- Acho que você não tem muita escolha garota... é melhor aceitar essa carona.

Ali na estrada vazia, com floresta dos dois lados da pista, estava a garota sendo intimidada por aquele sujeito que a olhava veementemente com um desejo por ela. Cindy por sua vez tinha uma sensação de pânico e medo que nunca antes havia experimentado, nem em seus piores pesadelos. Naquele momento, começa a chover.

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