Ceia profana

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Os preparativos haviam de começar. Era só a primeira noite.

Haviam retornado as entranhas da floresta seca em direção ao antigo casarão concedido pelos seus ancestrais. Ainda inquietas ao retornar, usaram de suas magias e conhecimentos para preparar para a grande celebração.

Enquanto Zyra andava de um lado para o outro ajudando observava a falsa farsante parada num canto com um olhar vazio. Apenas um boneco sem vida e motivação se assemelhava com a imagem horripilante, era como a verdadeira estivesse sem ossos, músculos e nervos, apenas com olhares vazios direcionados ao nada.

Era uma noite importante, esperava do fundo do peito que ela aceitasse retornar as raízes.

Observava os galhos secos sendo jogados no meio da clareira que havia de ser algo como... um jardim? Talvez fosse muitos anos atrás; agora não conseguia tirá-la da sua mente.

— Zyra?

— sim? — respondeu a Camille.

— Deveria prender teus pensamentos a suas raízes — ela desceu suas pernas afiadas como uma guilhotina num pedaço de maneira.

Por mais que fosse uma terra morta, os resquícios da vida ainda fluíam pela natureza pútrida. As ações de Camille cortando e decepando a natureza seca incomodava Zyra como se sua irmã quisesse sobressair.

O silêncio era atordoante, mas era a melhor solução. Ela apenas levou seu olhar a Camille e depois saiu em caminhada entre os galhos secos.

A pouca neblina se dissipou e as nuvens correram em direção ao sul e o sol se foi dando lugar a noite. O manto estrelado combinava perfeitamente com Lissandra, seus suspiros gelados faziam pequenas e dançantes névoas que logo sumiam. Ela colocou o último galho seco no amontoado e levantou o olhar, imaginando quão bonito poderia ter sido aquele jardim antes de ser transformado numa zona morta.

Ela caminhou através da construção, que tinha janelas caídas, portas que rangiam e pedras rachadas, era tudo tão velho e perdido ao tempo, sabia o quão importante era construção para o passado, mas por algum motivo não conseguia se lembrar.

— Lissandra? — uma voz rouca a tirou de seu devaneio. — Está na hora.

Ela assentiu e levantou seu vestido branco caminhando ao invés de usar suas estacas de gelo para se movimentar até os galhos que se erguiam como corpos jogados um em cima do outro até os céus. Todas estavam posicionadas em diferentes pontos, mas existia uma distância maior entre Zyra e Morgana. Apenas olhares eram trocados enquanto o ar parecia pesar cada vez mais.

— Vamos co...

— Não podemos! — Zyra interrompeu Morgana que apenas retribuiu com um olhar indiferente. — Não devemos

Zyra ajeitou a postura com uma voz mais firme dando a si uma soberania da qual já nascia. A vegetação ao seu redor respondeu ao seu chamado tremulando enquanto se encaravam.

— Não devemos o quê? — uma voz suave surgiu dos arbustos secos, juntos com corvos que voavam para longe, ela balançava seu bastão enquanto caminhava lentamente assumindo sua posição.

— Le Blanc! — exclamou Morgana com um vislumbre no olhar enquanto ela trocava um olhar de relance com a Zyra. — tomem suas posições.

Ergueram tuas mãos aos céus enquanto o fogo crepitava numa dança macabra em cima da lenha que um dia foi uma grande árvore. O fogo queimava a lenha escura como se limpasse cada pedaço dos pecados que recaíram sobre aquela terra. Estalos, fagulhas, crepitar, era aquele som do fogo que esquentava a noite fria que havia varrido as nuvens cinzas para longe.

Palavras de um idioma  perdido no tempo foram proferidas por Morgana enquanto as outras ofereciam o silêncio para a prece. Exceto por Lissandra. Suas mãos frias atraiam mais do que apenas gelo, um homem que fora transformado num bloco azul ambulante caminhou em direção ao fogo, era como um um arqui-inimigo encarando seu próprio nêmesis. O fogo refletia na pele azulada enquanto o gelo lançava sobre ti uma névoa que sumia com o calor.

— Uma oferenda... meu soberano.

O homem entrou no fogo e apenas foi consumindo pelas chamas, teu brilho azul se tornou alaranjado enquanto a pele derretia e carbonizava trocando o azul pelo laranja e logo após pelo preto. Seu rosto foi consumindo devagar e foi a pior parte, suas pálpebras foram queimadas deixando seus olhos a mostra. Um ficou pendurado- queimando lentamente -enquanto o outro foi rapidamente consumindo. Só te restou orbes escuras encarando a face pálida de Camille.

Um pedaço da pele descolou deixando o sangue chiar em contato com o fogo, os nervos e músculos ficaram pretos e caiam como pó deixando apenas o seu esqueleto. A cena era agonizante até para a mais assassina das bruxas, que desviou o rosto para as sombras que caminhavam entre as árvores.

A caveira lentamente desmontou-se levantando brasa aos céus que subiam como se levassem uma mensagem. Os ossos restantes queimavam aos poucos alimentando as chamas nervosas.

Um som abafado e rouco, seguidos de outros sons que pareciam animais gritando e agonizando ecoou.
Ele havia respondido.
Ele estava entre as árvores observando, igual fez com todas.

Elas deixaram os restos do homem queimando na fogueira e foram para a mesa de pedra que estava cheia de comida. A fartura divina.

Uma sombra amorfa surgia dentre as árvores e emitia um brilho arroxeado com um azul profundo. Sua garras abriam caminho até as bruxas que  degustavam a ceia.

Um deles havia despertado e agora estava com a congregação, fomentado pela desejo de vingança e morte.

— Tua confusão é nítida, Lorde Nocturne, revelarei seu propósito! — disse Morgana enquanto encarava a Zyra.

— Vamos matá-los — a voz de Nocturne parecia como uma multidão de diferentes vozes, desde a mais aguda até a mais grave, era seca e objetiva.

— O ser humano é fraco, agarra-se a vida enquanto a esperança se esvai — Morgana traz seu olhar para o Deus reencarnado. — Paciência, traremos esse mundo a ruína.

Da mesma forma que ele surgiu, ele se esvaiu em suas sombras assentindo ao que a tua rainha disse.

A congregação havia retornado e o deuses iriam renascer.

Congregação das BruxasOnde histórias criam vida. Descubra agora