O chalé de Apolo dá uma festa

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Já passou duas horas do toque de recolher, provavelmente a maioria dos campistas estavam dormindo. Eu digo a maioria, mas na verdade boa parte estava acordada, o chalé de Hermes inteiro aceitou a pegadinha, e não somos conhecidos por ser o chalé mais lotado à toa.
O plano era simples, um grupo dos melhores ladrões invadia e pegava literalmente tudo o que era possível, armas, materiais de higiene, pertences, roupas e até os cobertores que os campistas estavam usando naquela noite, se tiverem sorte. E então, com uma leve ajuda do nosso irmão de criação Clóvis, filho de Hipnos, deus do sono, vai deixar o novato pegador de bandeiras verdadeiramente desmaiado, e com isso o levaremos até o lago de canoagem e o deixaremos dormindo em um barco solto.
Alguns até se ofereceram para vigiar o garoto adormecido, para garantir que ele não acabaria sendo comido, mas todos sabiam que essas mesmas pessoas apenas queriam ver o menino acordando desesperado quando amanhecer.

O tal grupo dos melhores ladrões consistia em mim e o meu irmão, obviamente, mais Marisa, nossa meia-irmã mais nova, com as mãos mais silenciosas que eu já vi, Clay, filho de Íris, também muito silencioso, não sei como, mas ele pode correr toda uma maratona e ninguém vai ouvir seus passos, e também seu meio-irmão mais velho, Butch. Ele é um grandão desengonçado, mas é bom para carregar o peso das sacolas mais cheias que a do papai Noel quando terminarmos o nosso assalto.
O céu estava limpo, e a lua iluminava o caminho, me perguntei se a deusa Artemis estaria, de certa forma, nos incentivando a infernizar seus sobrinhos. Mas nem se fosse o próprio Apolo se importaria, os deuses são assim, olham para nós apenas quando precisam de ajuda, e como não tem nenhum deus necessitado por perto, ninguém está olhando.
O que tornava tudo ainda melhor.
Desviar das harpias deixou de ser desafio há um bom tempo já, as rotas delas eram muito padronizadas e não mudavam por meses, se eu fosse responsável pelo acampamento todo, no lugar de Quíron, a minha primeira mudança seria orientar as harpias a tomarem os caminhos mais randômicos possível. Mas como não sou, aprecio a organização das rotas delas.
Fácil como roubar doce de criança, chegamos à porta do nosso alvo, nossa adorável meia irmã fez as honras de destrancar a porta. Queriam nos humilhar? Então aceitem essa humilhação de volta, entramos pela porta da frente, seus babacas.
Marisa olhou para trás, com um sorriso de orelha-a-orelha.
- Cavalheiros - ela sussurrou abrindo a porta, agora destrancada - bem vindos à Eldorado.

Não havia um pingo de luz dentro daquele lugar, as cortinas estavam fechadas, e nem uma única luzinha noturna para iluminar a noite do nosso querido bebezinho Will.
Não ousamos fazer comentários, nem respirar normalmente. Quando meus olhos se adaptaram à escuridão, percebi que estávamos ferrados.
Em uma das paredes do chalé, ficavam pendurados os arcos dos campistas, eu sabia, pois roubei arcos daquela parede inúmeras vezes.
E eu nem sei usar um arco e flecha!
Mas agora estava vazia, a parede inteira, sem uma única aljava pendurada, sem nem a sombra dos arcos.
Inspirei para avisar meus irmãos para abortar a missão. Porém fui interrompido por um assovio muito dolorido, seguida por um clarão, os desgraçados nos fizeram acostumar com a escuridão para acender a luz.
Quando minha visão se acostumou com a claridade, vi todos os campistas sentados em suas camas, com as pernas cobertas pelos cobertores e os arcos em posição. Yew não mentiu quando falou que dormia com as flechas.
Toda a nossa equipe de ladrões ficou paralisada, Marisa ainda com as mãos nos ouvidos. Tive uma conversa silenciosa com Travis discutindo as possibilidades de fuga, chegamos a conclusão que alguém teria que tomar uma flechada para os outros poderem sair.
- Pela porta da frente? Que tipos de ladrões patéticos são vocês? - Lee Fletcher disse.
- Seria um desafio se vocês sequer tentassem proteger a porta da frente. - Marisa retrucou.
- Não sei se a sua cabeça oca percebeu - o conselheiro-chefe abaixou o arco enquanto se levantava da cama, ele estava vestindo calças e a camiseta do acampamento. Graças aos deuses ele estava vestido. - Mas isso daqui é uma armadilha.
Todos os seus irmãos e irmãs se levantaram, e estavam todos vestidos, realmente esperavam o ataque.
Teria sido uma cena impactante, a união de todo um chalé para se defender dos invasores, todos em formação, prontos para disparar se algum de nós nos movesse.
Isso se o novato não tivesse de algum modo chicoteado a própria cara com seu arco, essa foi uma proeza que nem mesmo eu fui capaz de fazer, e mais uma vez, eu nem sei usar arco e flecha.
Travis começou a gargalhar, uma risada tão alta e contagiante que antes mesmo de me virar para o meu irmão, eu já estava sorrindo. Ele apontou para o novato.
- O seu nome é Will não é? - ele riu mais ainda - você me disse que eu um dia imploraria para você me curar - e riu de novo depois secou uma lágrima - como eu ia querer ser tratado por um semideus que nem sabe usar um arco e flecha? Você tem certeza de que é filho de Apolo?
E então ele riu tanto, que até Butch estava rindo. Eu olhei para o rosto naturalmente zangado de meu arqui-inimigo Michael Yew e gargalhei também.
Os cinco ladrões capturados estavam gargalhando, Clay literalmente rolou no chão, e a madeira do chalé não rangeu nada enquanto fazia isso.
Um barulho soou do lado de fora do chalé, as cortinas estavam perfeitamente fechadas, não deixando transparecer nada da luz, mas o lugar não era à prova de som, e os ladrões não riam baixo.
Yew e Fletcher trocaram olhares assustados, todos os campistas do chalé 7 todos vestidos, as luzes acesas, as cortinas fechadas.
Não precisa de magia alguma para contagiar os outros a rirem, quando as harpias derrubaram a porta do chalé, os ladrões não eram os únicos que estavam rindo.
-Deu ruim- disse Clay, ele era muito poético às vezes.
- Mike - eu falei - você falou que tinham posto um encantamento à prova de som pras harpias não notarem a festa.
O cara de fuinha estava pálido.
- Deveríamos ter testado antes - disse Butch, que já tinha sacado o nosso plano B.
Travis se virou para as harpias, com as mãos levantadas em rendição.
- Por favor, não nos coma.

Co-conselheiros Do Acampamento Meio SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora