De grão e grão a galinha enche o papo

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Havia uma tradição do primeiro dia de férias de verão entre os chalés de Hermes e Démeter, na verdade fui eu quem inventei, mas continua sendo uma tradição. Sempre no primeiro dia, os conselheiros-chefe do chalé de Hermes fazem uma pegadinha com os conselheiros-chefe do chalé de Démeter. Connor participou apenas da primeira vez, e desde que essa tradição começou a Katie Gardner estava com o cargo, então aos olhos de qualquer um, parece que eu simplesmente teimo com ela. O que não é verdade.
Enfim, planejei essa pegadinha no inverno, e vai ser a pegadinha de primeiro dia mais perfeita que já existiu. Não é nada espalhafatoso como as que fizemos contra o chalé de Apolo, mas essa vai ser perfeita.
Uma característica do chalé de Démeter, ou de qualquer chalé exceto o nosso, é que os campistas nunca trocam de lugar pra dormir ao longo dos anos. Então, quando ninguém estava vendo, entrei no chalé para colocar a minha pegadinha. 
Era um rato mecânico que alguém do chalé de Hefesto me “emprestou”, e com uma ajuda da nossa irmã de criação Selina (Selina, não Selena nem Silena. Não confunda ou ela vai te transformar em alguma espécie de roedor e vão te zoar por semanas. Não que isso aconteceu comigo) teve o carinho de manipular a Névoa para fazer o rato parecer de verdade.
Eu ia colocar o rato no baú de pertences da Katie, ela só chegaria em algumas horas, então seu baú estaria vazio, provavelmente até mesmo destrancado.

Para disfarçar, fingi estar fazendo alguma anotação de conselheiro-chefe em uma prancheta, o que por si só já seria um aviso de que alguma pegadinha estava por vir, eu nunca faço anotações.
Ninguém me viu entrar no chalé 4, o qual estava vazio, já que os campistas estavam em suas atividades e a conselheira-chefe ainda não chegou. As camas pareciam todas iguais, eu não poderia dizer qual estava ocupada e qual não estava, mesmo com parte dos campistas tendo chegado hoje de manhã, uma organização que nunca seria possível no chalé 11.
Depois de anos enchendo o saco da Katie, ou melhor, da conselheira-chefe do chalé de Démter, eu sabia exatamente qual beliche era o dela. E como poderia não saber? A cama dela tinha o mesmo cheiro que seu perfume esquisito de trigo, sim ela cheira a trigo, eu não sei se ela usa alguma colônia especial ou se é algum tipo de aura de semideus filho da deusa da agricultura. 

O baú onde ela coloca seus pertences estava trancado, o que era uma novidade. Me perguntei se ela havia previsto algum movimento meu nas últimas férias de verão.

Por sorte, me previni e trouxe o grampo mágico que eu peguei emprestado do meu irmão e o utilizei para abrir a tranca. Travas não-mágicas eram muito mais fáceis de abrir, sinceramente, eu podia roubar um banco com isso daqui, o mundo deveria me agradecer por gastar o meu tempo com pegadinhas ao invés de assaltos a banco.

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Não tivemos um minuto de paz naquela manhã, diversos dos nossos irmãos de criação retornaram ao acampamento, e ficamos tão aliviados ao ver cada rosto familiar, que nem nos importávamos se o chalé estava superlotado ou não. Como suspeitei, não apareceu um campista novo sequer, com um calafrio, pensei em como a mente dos pobres coitados estaria sendo lavada no exército do nosso meio-irmão do mal Luke.
Mesmo assim o chalé estava lotado, você não conseguia caminhar pelo chalé sem pisar no espaço de alguém, causando um pouco de estresse para os donos daqueles espaços, mas nada que não possa ser resolvido com um pouco de distração.
Após reorganizar, em vão, o chalé pela trilhonésima vez, enviamos cada campista para suas respectivas atividades. E por algum motivo, os que tinham aula de esgrima não queriam fazer suas atividades de jeito algum.
Fui até a arena para ver o motivo, pensando que o próprio Luke retornou para dar aulas de esgrima. Preferia ver a pior das criaturas a ter que ver o meu meio-irmão mais uma vez.
Quando cheguei, me deparei com uma coisa escura gigantesca no meio da arena, quando eu falei que preferia ver um monstro ao meu meio-irmão, não significava que eu queria ver um monstro.
Era um cão infernal dormindo no meio da arena, a qual estava completamente vazia, exceto por um velho praticando esgrima tranquilamente, como se o cachorro gigante não fosse grande coisa (é, eu notei o trocadilho).
- Tem um cão infernal do seu lado, caso não tenha percebido. - falei e o velho se assustou.
- Ah, oi! Essa é a Sra. O’Leary - disse o velho me apresentando o cachorro - ela é de estimação, completamente inofensiva.
Eu ri.
- Meu irmão insistiu que uma harpia que rondava a nossa casa era de estimação, ele sempre deixava comida pra ela e tal, o nome dela era Gertrude. Aí teve um dia em que a Gertrude ficou com mais fome do que o habitual e ela tentou comer o meu irmão…
Ele assentiu.
- Conheço a Sra. O’Leary a mais tempo que muitas pessoas em minha vida, tanto tempo que confio mais nela do que qualquer outra pessoa ou criatura.
Eu dei de ombros.
- Se você tá falando… Mas tá assustando os campistas, eles precisam de aula de esgrima…
- Ah - o velho falou - é pra isso que estou aqui, decidi vir ajudar a dar aulas de esgrimas.
- Quíron não falou nada sobre um professor novo…
- Queria conhecer a arena antes… Pode avisar a Quíron, por favor?
- Por que eu faria isso?
- O seu pai não é o deus dos mensageiros?
Ergui uma sobrancelha
- Quem te contou?
- Ah, você é a cara do seu pai. Pelo visto é ele mesmo.
- Vou chamar o Quíron - falei - mas só dessa vez.
O espadachim gargalhou.
Era bom ter um novo professor de esgrima, ninguém conseguiu ensinar nada melhor do que o nosso irmão menos favorito Luke fez. E essa era a modalidade preferida do meu irmão, imagino que ele ia gostar de querer aprender mais alguns truques antes de estar em batalha contra o nosso meio-irmão.

Co-conselheiros Do Acampamento Meio SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora