Prólogo

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Aquela poça de sangue que me rodeava estava encharcando a minha roupa. Já havia me acostumado a perder tanto sangue, mas nunca gostei de sentir ele tocando minha pele. A dor me incomodava bastante, mas nem isso me incomodava tanto quanto aquele líquido pegajoso. Talvez eu nunca me acostume.

Dizem por aí que só se vive uma vez e que é preciso aproveitar ao máximo, enquanto você ainda pode. Talvez eles tenham razão. Mas isso não se aplica a mim. Essa já é a sexta vez que eu "morro". Na verdade, eu não consigo morrer. Não me pergunte o porquê, eu também não sei. Só sei que, todas as vezes que meus olhos se fecham e meu coração para de bater, dentro de alguns instantes tudo volta e eu acordo em um corpo diferente.

Eu já desisti de procurar um sentido para a minha existência. Eu não sei mais o que é a vida, e nem sei se algum dia eu soube. Na verdade, eu estou mais perto de encontrar um sentido na morte. Tenho procurado uma forma de acabar com isso de uma vez por todas, mas não consigo. Não importa como, eu sempre volto.

A vida saía aos poucos de mim. Novamente, o ciclo iria se repetir. Eu havia enfiado uma faca de cozinha na barriga. Precisava sentir um pouco de dor. Não faço isso nunca mais, o sangue me incomoda muito. Talvez, na próxima, eu tente me afogar. É ruim, mas pelo menos não tem tanta sujeira.

Estou num lugar isolado, então ninguém me encontrará. Talvez encontrem o cadáver daqui a alguns dias, quando ele já estiver cheirando mal. A dor está passando e, dentro de alguns instantes, vou retornar em algum outro corpo. Eu odiei esse. Detesto reencarnar como um homem. Tomara que tenha mais sorte na próxima.

Tudo fica escuro e eu paro de sentir dor. A morte estava completa. Para quem gostaria de saber como é depois que se morre, eu não sei explicar. Como eu já disse, eu não morro de verdade. Eu só sinto tudo ficando escuro e meus sentidos sumindo. Depois disso, é como se eu tivesse pego no sono e, quando acordo, já estou em um novo corpo.

Fechei meus olhos e esperei até acordar. Não demorou muito até me sentir viva novamente. Pude sentir meu coração batendo no meu peito.

Acordei. Abri os olhos, mas não via nada. Estava tudo escuro e quieto. Tentei respirar, mas me engasguei ao fazer isso. Fiquei assustada, não entendi o que estava acontecendo. Só depois de um tempo que percebi que eu estava embaixo d'água. Tentei me levantar, mas algo me prendia. Era um cinto de segurança. Procurei ao redor a trava para tirá-lo, mas estava preso. Eu estava em um carro, no fundo de um rio e iria morrer novamente, dessa vez afogada.

Me acalmei. Não era como se fosse o fim, afinal. Eu iria voltar logo depois. Prendi a respiração o máximo que pude e quando não aguentava mais segurar, abri a boca, e o pouco que restava de ar em meus pulmões logo foi substituído por água, que entrava pelo meu nariz e boca. Engasguei e comecei a me debater. Eu queria morrer, mas meu corpo não. Depois de um minuto, eu parei. A escuridão voltou e eu adormeci mais uma vez.

Eu disse a mim mesma que da próxima vez morreria afogada, mas não imaginei que fosse acontecer tão rápido assim.

Essa foi a minha sétima morte.

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