Permaneço encarando o espaço onde antes estava o corpo de Verônica por sabe-se lá quanto tempo, provavelmente boquiaberta pelo balde de água fria que a garota atirou em mim.
Eu quero socar alguém, e eu quero me socar.
Apenas consigo sair desse transe no qual me encontro há tantos minutos quando sinto um ombro ossudo esbarrar contra o meu, e sacudo a cabeça antes de procurar pela pessoa que me empurrou, mas não vejo ninguém e concluo que ela já subiu para o térreo. Quando volto meu olhar para as escadarias, me perco nelas por um pouco mais de tempo, ainda absorvendo tudo que aconteceu. Eu precisava subir essas escadas também. Luz provavelmente já está lá em cima.
Luz... Luz vai me matar. Vai me esfolar viva, e vai gritar "eu avisei" para o meu cadáver enquanto o enterra a sete palmos do chão. Cavando junto com ela, vai estar minha psicóloga, com quem venho evitando o assunto Galpão dos Lutadores, não sei exatamente por quê. Eu estou adorando os treinos, mas, ao mesmo tempo, não é nada do que pensei que seria, e me sinto frustrada. Estou cansada, bem cansada, e o ponto que Verônica fez sobre minha falta de estamina acena para mim de um dos cantos de minha consciência.
Corro os dedos por meus cabelos, provavelmente os bagunçando ainda mais, e tento forçar meu corpo a se mover em direção ao vestiário para pegar minhas coisas. Quando consigo, tenho certeza de que meus movimentos são letárgicos e meus olhos estão vidrados, mas pelo menos estou caminhando. Atrás da porta, as meninas gritam, dançam e fazem barulho ao som de uma música alta a qual não consigo distinguir, porém, conforme passo por elas, um silêncio desconfortável me segue, e algumas das atletas me olham torto, provavelmente tão confusas quanto eu sobre o que infernos aconteceu.
Bom, sei que uma coisa aconteceu: Verônica me chamou de fraca. Me subestimou, como todos aqueles homens da minha antiga academia faziam, como meu treinador disse que um dia fariam, e eu sei que meu primeiro instinto deveria ser de correr atrás dela e provar que não sou tudo aquilo que ela disse.
Mas, agora, apenas me enfio em um banheiro e me troco com movimentos lentos e mecânicos, enquanto meus pensamentos voam de um lado para o outro. Quando estou com a pesada mochila nas costas e pronta para sair, minha mente está um pouco menos bagunçada; basicamente ela se divide entre querer provar para aquela menina que sou tão boa lutadora quanto ela e se questionar se realmente sou tudo que me foi dito.
Me jogo no banco do passageiro como se estivesse fugindo de alguém, respirando pesado, pressionando as costas contra o tecido.
"Cath!! Meu deus, o que aconteceu??"
"Luz, só dirige, por favor" peço, e a ruiva olha pela janela como se tentasse achar o assassino em série que me persegue antes de pisar no acelerador. Não penso. Minha mente está vazia, não tem nada nela além de uma série de palavrões, e tenho plena consciência de como meus olhos estão arregalados. Após alguns minutos, a motorista volta a me questionar.
"Catharina o que aconteceu? Você usou alguma coisa? Te deram algum tipo de bomba para o treino?"
Se Luz pensa que pareço uma drogada, talvez eu esteja pior do que penso.
O mais estranho é que não me sinto ansiosa; ironicamente, sinto o medo de ficar ansiosa por causa do ocorrido, mas os buracos negros que tanto espero nunca aparecem, e, aos poucos, começo a me acalmar, deixando que o movimento do carro me leve para frente, para um lugar longe da briga com Veronica.
Respiro profundamente. "Estou bem. Foi só um susto".
Ao meu lado, Luz deixa escapar um ar que parece ter estado há muito preso no fundo da garganta. Ela estava preocupada, e me odeio por tê-la deixado assim, mas a verdade é que ainda não processei tudo que aconteceu. Não faço ideia de onde veio a reação explosiva de Veronica, muito menos todas aquelas críticas infundadas sobre minha prática. Sei bem que fui bem grossa, e que não tenho sido fácil de conviver, mas nunca pedi por uma amiga, nunca fiz menção de me aproximar das garotas da academia, então não sei qual foi a grande surpresa.
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Todos os Buracos Negros ao Nosso Redor
General FictionAVISO DE GATILHO: [menção a estupro de vulnerável] [violência] [homofobia] [discurso de ódio] [ansiedade] Catharina era a melhor boxeadora de sua academia, e sua ambição a levou a buscar por mais. Foi assim que ela se deparou com a Galpão dos Lutado...