Adentro o vestiário novamente na quarta-feira, com minha enorme e pesada mochila. Vim direto do colégio, já que resolvi ficar estudando na biblioteca após o fim das aulas, e esse modelo deu tão certo que decido mantê-lo. Não fico dependente de Luz para me trazer, já que venho de metrô, e consigo tirar um tempo para me preparar para as provas e para os vestibulares que virão ao fim do ano. Por mais que ainda estejamos no meio de fevereiro, já estou começando a imprimir os últimos vestibulares da FUVEST para treinar e entender como funciona a prova.
O lugar já está lotado com as meninas do time se trocando e prendendo os cabelos, e Rules da Doja Cat toca de modo estourado em uma pequena caixinha de som azul apoiada contra uma das pias. Balanço a cabeça ao ritmo da música, murmurando a parte do rap que conheço.
Algumas garotas acenam para mim, me cumprimentam e desejam boas vindas novamente; até quando se é a pessoa nova? A peso-pena que estava conversando comigo na segunda-feira pisca um dos olhos para mim, sorrindo, e aceno minha cabeça para ela em resposta. É um pouco avassalador, o amontoado de vozes, corpos seminus, conversas paralelas, saudações, a música alta... Encolho os ombros e entro na mesma cabine que usei para me trocar na segunda-feira, trancando a porta atrás de mim como se isso bloqueasse todos os mil estímulos nervosos do vestiário e inspiro fundo.
Retiro o uniforme do colégio e começo a procurar meu top em meio aos livros quando ouço uma voz feminina gritar: "Cheguei, mulheres da minha vida" e rolo os olhos por puro instinto enquanto continuo a me trocar. A garota que acabou de chegar cumprimenta as outras como se fosse algum tipo de apresentador de talk show saudando sua plateia, e a julgo uma convencida mesmo antes de saber quem é. Mas possuo um certo palpite...
Acabo de me vestir enquanto a fofoca corre solta pelo vestiário, bem como a música alta, e finalmente abro a porta de minha cabine, apenas para dar de cara com Verônica em um top cinza que lembra um biquíni reforçado e as mesmas tranças da última vez, e ela leva um pequeno susto quando quase nos esbarramos.
"Ah! Olá, garota nova, bem-vinda de volta." diz, com um enorme sorriso branco e perfeito em seus lábios, e murmuro uma resposta, tentando contornar a garota para sair daquele lugar.
"Vee, a menina mal chegou e você já está flertando com ela?" ri uma menina morena baixinha, e as outras a seguem nas gargalhadas e piadas enquanto encolho os ombros involuntariamente, como se pudesse criar um casulo para me proteger da chacota. Fecho as mãos em punhos, desejando ter unhas grandes para enfiá-las em minha carne.
"Dani, você quer parar?" repreende Verônica, o que apenas faz com que os risos aumentem em volume e quantidade, então me apresso em correr para fora do vestiário, sem nem guardar a mochila no armário antes. Ouço me chamarem, mas não me viro, focada em sair dali, com a voz de meu treinador reafirmando em minha mente o que eu já esperava: ninguém aqui vai ser legal comigo, as pessoas farão piada de mim na primeira oportunidade que tiverem, ninguém será legal comigo. As pessoas nessa vida devem ser encaradas como cobras que se alimentam incessantemente de outras cobras, e eu não devo nunca baixar a guarda.
Quando chego ao local de treino, respiro o ar frio como se eu nunca tivesse tido contato com oxigênio antes, e me esforço para acalmar as batidas de meu coração. Está tudo bem, nada disso importa. É apenas um local de treino, com pessoas as quais preciso derrotar para ser a melhor, e as piadinhas infames são apenas combustível para que eu pegue fogo no treino. Está tudo bem...
Sento-me na borda do tatame, mantendo meus pés para fora dele, e retiro meus equipamentos de treino da mochila, pensando que não é à toa que esta está tão pesada, já que possui roupas, um saco com luvas, bandagem e um recipiente plástico para meu protetor bucal, livros e cadernos e uma lancheira com a marmita do meu almoço e com potinhos do lanche que comi antes e vir para a academia. Será mesmo que vir direto do colégio é uma boa ideia ou isso apenas agravará as dores nas costas que já sinto regularmente?
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Todos os Buracos Negros ao Nosso Redor
General FictionAVISO DE GATILHO: [menção a estupro de vulnerável] [violência] [homofobia] [discurso de ódio] [ansiedade] Catharina era a melhor boxeadora de sua academia, e sua ambição a levou a buscar por mais. Foi assim que ela se deparou com a Galpão dos Lutado...