Madrugada

81 16 11
                                    

Eu tenho que lembrar a mim mesma de que Isabelle não está com raiva de mim – e por que estaria? Acabamos de nos conhecer – pois, pela força e falta de cuidado com os quais me segura e me atira contra a parede, é o que parece.

Ela me lembra outra pessoa, e só isso é suficiente para me fazer suar. Não é ela, não é ela, não é ela.

Não que seu beijo seja ruim. Não é o melhor beijo do mundo, acho que apenas não nos encaixamos, mas ela parece desesperada, como se a polícia estivesse batendo na porta e gritando para sairmos com as mãos para cima. Falando nisso, a garota agarra as minhas e as prende sobre minha cabeça, e, se meus olhos estivessem abertos, eu os rolaria para cima. Ela é uma dessas...

É apenas algo que não faz meu estilo, toda a cena do elevador em Cinquenta Tons de Cinza. Christian Grey sussurrando "foda-se a papelada" e prendendo a coitada da Anastasia com as mãos pra cima e as pernas abertas na parede igual um frango de padaria.

Minha mente não para em momento algum, nem neste momento em que deveria estar vazia, e talvez seja isso que esteja me impedindo de realmente curtir o momento com essa menina que desejei a festa inteira. Minha psicóloga concordaria comigo que é mais um mecanismo inconsciente de defesa, porque, embora elas não se pareçam fisicamente, Isabelle me lembra Dela a cada vez que nossos lábios se movem, então reparar nesses pequenos detalhes me impede de fixar nesse fato específico.

Enterro meus dedos em seus cabelos, aprofundando o beijo para ver se sinto algo diferente, ao mesmo tempo que peço a todos os deuses para que uma de minhas amigas me ligue, ou que alguém abra a porta do quarto de Luz para nos avisar que o apartamento está pegando fogo.

Minha respiração está pesada, e acho que Isabelle interpreta isso como um bom sinal, mas já faço terapia a tempo suficiente para reconhecer isso como um primeiro sinal de que estou entrando em pânico. Aperto meus dedos em seu couro cabeludo com força para que a menina não me sinta tremer, e sinto como se algo fosse acontecer. Algo ruim. Algo que vai me machucar. Estou com medo, e sei que é um sentimento irracional, mas não consigo evitar. É como se eu estivesse sendo puxada por um enorme buraco negro, contra o qual é inútil lutar: não sei se tenho mais medo do que vai acontecer comigo ali, ou do que me espera do outro lado, mas não tenho outra escolha a não ser fechar os olhos e me preparar para o impacto.

"Isa..." chamo, mas acho que, novamente, ela interpreta como um bom sinal, como se eu estivesse gostando muito daquilo, pois a sinto sorrir contra meus lábios antes de descer os beijos por meu pescoço, o que me faz enterrar as unhas nas palmas de minhas mãos, que ainda estão presas pelos pulsos contra a parede. Não, não, não, no pescoço não...

"Isa, para..." peço, tentando fazer a voz sair em meio a minha hiper ventilação, enquanto ela morde minha pele, o que me faz encolher os ombros. Sinto que estou piorando, que estou perdendo o controle da minha própria ansiedade, que meu medo cresce como um monstro à espreita, feito de sombras prestes a me engolir. Um monstro feito de buracos negros. "Isabelle, me solta" murmuro, entre os dentes, e seu rosto finalmente deixa meu pescoço, embora suas mãos não me deixem ir. Geralmente sou mais forte do que isso, fisicamente falando, e o fato de que eu não consigo me soltar apenas faz minha ansiedade crescer - mas talvez seja exatamente por isso que eu não consiga me soltar.

A garota posiciona seus lábios contra minha orelha e sussurra com sua voz rouca: "Pede com jeitinho para mim" enquanto leva seus dedos da mão direita para meu pescoço, apertando-o sem muita força, apenas para uma demonstração de domínio, mas isso não importa. É o suficiente para me fazer perder o controle.

Com um grito, arranco minhas mãos de seu aperto com toda a força que consigo reunir, e a empurro para longe. Minha respiração sai de modo torturante, como pequenos gritos sofridos, e não consigo mais pensar. Flashes de memórias dolorosas correm por minha mente enquanto tento desesperadamente me acalmar, e tudo vejo é o rosto Dela, tudo que ouço é a voz Dela.

"Que porra, garota! Você ficou maluca?" grita Isabelle, o que apenas me faz encolher contra a parede, abraçando meu corpo enquanto tento dizer a mim mesma que não foi a voz Dela, embora a frase soasse como algo que Ela diria. Escorrego até o chão e me curvo como uma bola, forçando o ar a entrar e sair de meu corpo, mas tudo que consigo são chiados altos e incômodos. Eu quero gritar, eu preciso gritar, eu preciso que isso saia de mim. Eu quero que acabe.

A porta se abre, e uma música alta e vozes desconexas nos invadem, mas, de dentro do buraco negro, tudo parece distante e, ao mesmo tempo, incômodo. Duas mãos agarram meus braços, e tento lutar contra eles, apertando ainda mais meus olhos e esperando que ela vá embora. "Me deixe em paz" peço, e recebo em resposta a voz familiar de Luz.

"Catharina, sou eu. Olha para mim!".

Abro os olhos, mas tudo está turvo, e não sei se estou desmaiando ou apenas chorando muito, mas vejo sua silhueta em minha frente. "Respire, Catharina" ela pede, e tento, mas apenas ouço aquele som horrível. "Eu estou aqui, com você. Nada vai acontecer. Você está bem, Cath" ela me garante, e permito que suas frases se repitam em minha mente. Seus dedos esguios descem por meus braços, fazendo carinho, enquanto ela respira profundamente, devagar para que eu a imite. E me foco nisso, no seu carinho e sua respiração controlada. É difícil no começo, mas Luz é como um facho de... bem, de luz. Como um farol, me tirando de dentro do buraco negro, por mais que seja difícil, por mais que demore.

Com o tempo, minha respiração para de chiar e se torna apenas tremida, e consigo pensar com mais clareza. Me sinto exausta e envergonhada, e não consigo olhar para além de minha amiga, para a garota que eu estava beijando. Ela ainda está aqui, me observando. A culpa não é dela; Isabelle não tinha como saber que iria me engatilhar desse jeito, e eu mesma subestimei minhas crises. Preciso dizer para ela que a culpa não foi dela, preciso me desculpar, mas Luz me para quando começo a tentar me erguer do chão.

"Está melhor?" pergunta e consigo erguer meus olhos para os dela e dar um sorriso fraco, exausto. Estou exausta.

"Estou melhorando" digo. Ainda assim, levo um susto quando sinto uma mão em meu ombro, mas é apenas Diana fazendo carinho, sem se aproximar demais, ao lado de Laura, que sorri de modo reconfortante para mim.

Quero perguntar onde está Gabriel, mas o ouço gritando: "Ok, não tem nada para ver aqui, dispersando...". Quando me volto para a direção de onde sua voz surge, vejo que meu pequeno escândalo formou uma pequena plateia, e instintivamente encolho os ombros, envergonhada por estar chamando tanta atenção. Começo a pensar no que podem estar dizendo de mim, se pensam que sou maluca, se acham que eu agredi Isabelle, ou se ela quem fez algo... Minha cabeça não para nunca.

Falando em Isabelle, quando tento procurá-la, não a encontro, e acho que ela se juntou às outras pessoas e saiu do quarto, deixando-me sozinha com meus amigos. Eu me sinto uma vergonha. Me sinto um fracasso por alguma razão. Fico pensando se a machuquei, se eu deveria apenas tê-la mandado parar, se ela ficou chateada, se eu deveria procurá-la, quando penso ouvir sua voz dizendo para uma segunda pessoa: "Maluca de merda".

Eu ficaria bem pensando que aquilo era apenas fruto da minha imaginação ansiosa, mas ao ver meus amigos virando a cabeça em direção ao som, tenho a confirmação de que Isabelle é mais parecida com Ela do que pensei. Afinal, era assim que Ela me chamava quando eu ficava ansiosa.

Recosto a cabeça contra a parede gelada atrás de mim, com uma enorme vontade fazê-lo com força para ver se as vozes em minha cabeça param de tagarelar sobre como eu sou uma maluca de merda, e como isso não mudou nos últimos três anos.

Meus amigos se sentam comigo no chão, como se não houvesse uma quantidade considerável de convidados ainda na sala de onde saímos. Se eles não se importam, talvez eu não devesse. É mais difícil fazer do que falar.   

Todos os Buracos Negros ao Nosso RedorOnde histórias criam vida. Descubra agora