Todos os Buracos Negros ao Nosso Redor

Eu Não Gosto de Mudanças

"E vocês se viram na sexta-feira de treino? Como foi?".

Bebo mais um gole de água antes de devolver o copo à mesinha de centro na minha diagonal. Dr. Marina está sentada à minha frente, em sua poltrona, os olhos escuros e maternais me encarando por trás das lentes dos óculos de armação verde-água, depositando toda a sua atenção em mim.

"Foi... normal" respondo, dando de ombros, mas minha psicóloga gostaria de uma explicação mais aprofundada, como noto por seu singelo movimento com as mãos para que eu continue falando. "Para ser sincera, eu não sei o que eu esperava. Eu preferiria que ela tivesse... sei lá, vindo me dar um soco na cara. Exigir desculpas. Alguma coisa que não fosse o silêncio, sabe? A indiferença...".

A mulher é pequena, menor do que eu, com cabelos grisalhos na altura dos ombros e olhos castanhos. Sua pele branca é como um pergaminho antigo, que já viu grandes escritos, que sabe mais do que revela, e, como tal, tudo nela é delicado: os gestos, as joias que usa, o sorriso. Sua postura é perfeita, recostada à poltrona creme enquanto me analisa por alguns segundos antes de abrir a boca.

"Então ela te ignorou... e isso deixou você nervosa?"

Faço que sim com a cabeça, e a mulher solta um pequeno risinho, como se minha situação fosse digna de pena. "Então você se importa com o que essa menina pensa de você?"

Meu primeiro instinto é dizer não, é me defender da acusação, mas sei que ela notaria meu recuo no mesmo instante. Cruzo os braços, e desvio meu olhar do seu, procurando algum ponto no escritório onde fixar. Acabo por escolher um vaso de flores atrás de Dr. Marina. "Eu... não sei" confesso. "É tão confuso. Eu não quero fazer amigos, mas, ao mesmo tempo, quero que ela goste de mim" explico, mas, no momento em que falo estas palavras, meu cérebro as processa, e me corrijo. "Não... não quero que ela goste de mim. Quero que me admire".

"Então, quando ela mostrou seus pontos fracos, foi como o oposto do que você esperava?". Baixo os olhos ao chão, e chacoalho a cabeça positivamente. Revivi o momento em que Verônica apontava todos os meus erros tantas vezes desde aquela noite de treino, o revirei em minha mente à procura de um sinal de blefe, de um tique que indicasse uma mentira, mas tudo que encontrei foi uma angústia no peito e minha cartela de remédios para ansiedade.

"Eu preciso ser melhor... Nunca vou competir se continuar assim" sussurro.

"Isso me parece uma discussão que tivemos há um tempo atrás... quando você a chamava de metida por tentar te corrigir".

A memória de Dr. Marina é sempre impecável, o que me assusta pois, pelo menos durante nossas sessões, ela nunca anota nada. Obviamente a psicóloga mantém registros de nossos encontros, mas é sempre surpreendente como ela se lembra de detalhes. Talvez ela apenas me conheça bem demais.

"Agora você quer seguir os conselhos dela?" me pergunta, e eu procuro a resposta em minha mente. Não sei se quero dar à Verônica o gostinho de me ver implorando por aulas, mas também sei que devo aprender a ser como ela se quero ser melhor do que ela. Começo a brincar com o cordão de meu moletom enquanto penso, ainda encarando o chão, quando um objeto pequeno em formato de cubo se coloca em meu campo de visão. É um dos cubinhos antiestresse que sei que Dr. Marina guarda em seu escritório para clientes que, assim como eu, pensam melhor com as mãos ocupadas. Minha mãe costumava me chamar de tubarão, brincando que, se eu parasse de me mover, provavelmente cairia morta.

Cada lado do cubo possui um mecanismo diferente que pode ser apertado, movido, clicado, e que atenda à pelo menos uma das necessidades sensoriais do paciente. Tenho um desses dentro de minha mochila da escola, mas apenas o utilizo no banheiro, sozinha, porque muitos chatos já pediram para ver e não me devolveram até o final do dia, passando-o por todos os interesseiros da sala, e eu que realmente precisava daquele "brinquedo", acabei tendo de me virar com uma caneta que fazia muito barulho e incomodava os professores. Meus dedos voam para o lado que imita um joystick, uma bolinha que posso ficar girando e movimentando de um lado para o outro.