Minha Engenheira Preferida

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Verônica acena alegremente para mim quando me vê entrando no carro de Luz, e balanço dos dedos em retorno, relutantemente, antes de me virar para não ter que aturar aquele bom humor incessante dela. Atiro minha mochila enorme e repleta de coisas no banco de trás antes de atirar a mim mesma no assento do passageiro. "Nossa, quem é a amiga nova?" pergunta-me minha vizinha, e solto um grunhido alto enquanto bato a porta do veículo com força. "Ei você não tem geladeira em casa, garota? Mais respeito com a propriedade privada.".

"Isso é um sinal: me deixe em paz. Não foi um bom dia" digo, apontando meu dedo indicador para seu rosto, e me contorço no assento, procurando uma posição confortável. Estou irritada, exausta e frustrada, e a última coisa que preciso agora é falar sobre a perfeita Verônica com seus golpes perfeitos. Quero apenas chegar em casa e dormir para que este dia finalmente acabe, para que o constrangimento de ser corrigida em frente a todos se esvaia de minha mente.

Por um momento, Luz não abre a boca, apenas dirige, causando um balançar reconfortante no carro. Sinto minhas pálpebras ficando pesadas, o cansaço de um dia de estudos, treino e metrô lotado finalmente me atingindo. Quando paramos em um sinal vermelho, a ruiva pega momentaneamente o celular que está atirado nos porta copos e troca a música que ecoa pelos alto falantes. A voz de Rubel em Quando Bate Aquela Saudade rapidamente me conforta, como um abraço, e não posso negar o quanto essa garota me conhece; ela sabe exatamente o que fazer para me acalmar.

Cantarolo baixinho, tombando a cabeça para o lado para ver a cidade escura passando ao meu lado, e deixo escapar um sorriso de lado. Luz espera a música acabar para me perguntar se me sinto melhor, e murmuro "sim" baixinho.

"Então quer me contar o que houve?" Luz tenta novamente, e inspiro fundo antes de decidir resumir minha situação.

"Eu descobri que sou péssima na única coisa que eu sempre tive certeza de que era boa e não me encaixo em meio àquelas meninas" desabafo, e dizer em voz alta faz tudo parecer real. Desapontei meu treinador e desapontei a mim mesma; eu sou um fracasso.

"Ei, você foi em apenas dois treinos, não pode ser tão ruim assim" a ruiva tenta me consolar, e dou de ombros, me encolhendo no banco. Eu me sinto péssima, como se não devesse ter entrado para a academia. Como espero competir se minha técnica é crua e desleixada, como me apontou a própria treinadora hoje ao final da aula? Serei completamente massacrada, tanto por minha concorrência no ringue quanto pelas meninas da academia, as quais estavam definitivamente rindo de mim e de como sou uma péssima lutadora.

"Eu não quero voltar na sexta-feira, Luz. Eu deveria ter ficado na minha academia antiga, onde pelo menos eu era boa" murmuro, pensando na cara que meu treinador faria para mim se me visse passando pela porta, pronta para mais um treino. Ele certamente me mataria, mas talvez aceitasse meu cadáver de volta.

"Você vai voltar na sexta-feira sim, senhorita. Sabe por quê?".

"Por que?".

"Porque você está naquele lugar para aprender o que a academia de bairro não podia te ensinar. É lógico que sua técnica está crua, você acabou de chegar; você vai ter de descontruir essa sua ideia de que você é melhor ou pior do que os outros.".

Como sempre, Luz é cirúrgica em seus conselhos e alfinetadas, mas eu me recuso a admitir isso, então apenas cruzo os braços e encaro a janela. "Eu... eu não acho que sou melhor do que ninguém" murmuro, mais para mim mesma do que para a motorista. Há um certo peso que se instala em meu peito, uma leve culpa, mas não sou eu quem pensa ser melhor do que as meninas da academia; elas que andam com seus narizes empinados, se vendo melhores do que eu apenas porque eu sou a menina nova.

Luz demora para responder, então me viro para ela, apenas para assistir seu rosto se dobrar em uma careta muito óbvia, como quem diz "tem certeza disso?".

Todos os Buracos Negros ao Nosso RedorOnde histórias criam vida. Descubra agora