CAPÍTULO I

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Em alguma parte do meu cérebro, provavelmente a parte sensata que parecia ter desaparecido no momento, eu sabia que deveria desistir e ir embora, preservar um pouco da minha dignidade. Em vez disso, abracei a cintura dele com mais força e colei o rosto em seu peito. Definitivamente, não era a razão que estava no comando do meu cérebro. Era o desespero. E, mesmo sabendo que o desespero não é atraente, eu não conseguia me controlar.
Ele suspirou e soltou um pouco de ar, o que me permitiu apertar ainda mais o abraço. Não é assim que as jiboias matam suas presas? Nem esse pensamento me fez soltá-lo.
-         Jimin, sinto muito.
-         Então não faz isso. E, se tem que fazer, não pode esperar duas horas?
-         O que você acabou de falar me faz ter certeza que não. Você só quer que os seus amigos me vejam.
-         Não é verdade. — Tudo bem, meio que era. Mas só por causa da Yuna. Ela havia se infiltrado no nosso grupo um ano atrás e, bem lentamente, tentava jogar meus amigos contra mim. Sua última jogada era dizer que eu estava mentindo sobre namorar há dois meses. Então, sim, eu queria que meus amigos vissem que eu não estava mentindo. Que era ela quem tentava dividir nosso grupo ao meio. Ela era a doença contagiosa. Não eu.
Mas não era só por isso que eu queria que Taemin ficasse comigo agora. Eu gostava dele de verdade antes de ele decidir terminar comigo no estacionamento na noite do baile de formatura. Mas, agora que ele estava exibindo seu atestado de cretino, eu só queria que ele entrasse, provasse que existia, desse um soco no estômago da Yuna por mim, talvez, e depois fosse embora. Era pedir demais? Além disso... Oi? Era minha formatura. Ele ia mesmo me fazer entrar sozinho no baile onde provavelmente eu seria coroado rei?
-         Não é só com isso que eu me importo... — Minha voz estremeceu, embora eu tentasse não demonstrar fraqueza. Bom, exceto pelo fato de estar grudado nele como se tivesse levado um choque de alta voltagem.
-         É só com isso que você se importa. E confirmou minha impressão hoje, quando me viu e a primeira coisa que disse foi: "Meus amigos vão morrer". Sério, Jimin? Você não me vê há duas semanas, e essa é a primeira coisa que fala?
Tentei lembrar. Foi isso mesmo que eu falei, ou ele estava inventando coisas para tentar se sentir melhor? Ele estava lindo mesmo. E, sim, eu queria que meus amigos  vissem como ele era lindo. Isso era errado?
-         E no caminho para cá você passou o tempo todo planejando como nós íamos entrar. Disse exatamente como eu tinha que olhar para você.
-         Sou meio controlador. Você sabe disso.
-         Meio?
Um carro parou na vaga em frente ao lugar onde eu estava quase espremendo todo o ar para fora do corpo do meu namorado... ex-namorado. Um casal desceu do banco de trás. Não reconheci nenhum dos dois.
-         Jimin. — Taemin desgrudou minhas mãos e se afastou. — Eu preciso ir.
A viagem de volta é longa.
Pelo menos ele parecia sinceramente triste.
Cruzei os braços, finalmente encontrando um pouco de dignidade.
Tarde demais.
-         Tudo bem. Vai.
-         Você devia entrar. Está incrível.
-         Você não pode simplesmente me xingar e ir embora, ou alguma coisa assim? Não preciso te achar fofo depois de tudo isso. — Ele era fofo, e pensar que meu desespero para o segurar ali não tinha a ver só com os meus amigos começava a dominar minhas emoções. Engoli o que sentia. Eu não queria que ele soubesse que estava me machucando de verdade.
Ele sorriu de um jeito brincalhão e então aumentou o tom de voz:
-         Nunca mais quero falar com você. Superficial, esnobe, egocêntrico.
Você merece entrar lá sozinho!
Por que soou tão convincente? Mantive o nosso teatrinho.
-         Odeio você, babaca!
Ele jogou um beijo, e eu sorri. Fiquei olhando até ele entrar no carro e ir embora. Então o sorriso sumiu do meu rosto e meu estômago deu um nó. Acho que ele pressupôs que eu conseguiria carona para casa. Ainda bem que todos os meus amigos estavam lá dentro... esperando que eu aparecesse com o cara de quem falava havia dois meses. Rosnei, tentando transformar a dor em raiva, e me apoiei na traseira de uma caminhonete vermelha. Foi quando chamei a atenção de um cara sentado ao volante do carro à minha frente. Endireitei rapidamente as costas, porque nem um estranho podia me ver desabando, e ele baixou a cabeça.
O que aquele cara estava fazendo sentado no carro? Ele pegou um livro e começou a ler. Estava lendo? Sentado no estacionamento de um baile de formatura e lendo? Então lembrei: o casal que havia descido do banco de trás. Ele tinha ido levar alguém. A irmã ou o irmão mais novo, talvez.
Dei uma avaliada no cara enquanto ele lia. Não dava para ver muita coisa, mas ele não era feio. Cabelo preto, pele branca. Podia até ser alto, porque a cabeça ultrapassava o apoio do encosto, mas era difícil ter certeza. Cabelo um pouco desgrenhado em uma franja, óculos... mas teria que ser esse. Eu me aproximei da janela do carro. Ele estava lendo um livro de geografia, ou alguma coisa sobre o mundo em oitenta dias. Bati na janela, e ele ergueu a cabeça lentamente. E demorou ainda mais para baixar o vidro.
-         Oi — eu disse.
-         Oi.
-         Você estuda aqui? — Se sim, e eu nunca o tinha visto, não daria certo.
Porque havia boas chances de as pessoas o conhecerem.
-         Quê?
-         Você estuda neste colégio?
-         Não. A gente acabou de mudar para cá, mas estou terminando o ano na minha antiga escola.
Melhor ainda. Eles eram novos na área.

-         Veio trazer seu irmão?
-         Irmã.
-         Perfeito.
Ele ergueu as sobrancelhas.
-         Você vai ser o meu par.
-         Ah... — Ele abriu a boca, mas isso foi tudo o que saiu.
-         Você mora perto daqui? Porque não dá pra você entrar assim, de jeans e camiseta. Muito menos com essa estampa de cabine telefônica.
Ele olhou para a própria camiseta, depois para mim outra vez.
-         Cabine telefônica? Sério?
-         Você tem uma calça escura e uma camisa social, pelo menos? Talvez uma gravata? Uma gravata azul-petróleo seria incrível para combinar com a minha roupa, mas eu não esperaria tanto. — Inclinei a cabeça. Ele realmente não era o meu tipo. Meus amigos iam perceber. — E por acaso você tem algum produto para o cabelo?
-         Vou fechar a janela.
-         Não. Por favor. — Pus a mão em cima do vidro. Será que alguma vez eu já sentira tamanho desespero? — Meu namorado acabou de terminar comigo. Você deve ter visto. E eu não quero entrar no meu baile de formatura sozinho. Além disso, meus amigos já não acreditam que ele existe. É uma longa história, mas eu preciso que você seja ele. Duas horas. É tudo o que eu peço. Além do mais, você está aí esperando a sua irmã. — Droga. A irmã. Ela ia gritar o nome dele e estragar tudo? Só teríamos que evitá-la. Ou contar o segredo para ela. Eu ainda não tinha decidido. — Vai ser muito mais divertido do que ficar sentado em um estacionamento.
Ele ainda me olhava como se eu fosse maluco. Eu me sentia maluco.
-         Você quer que eu finja que sou o Capitão América? — E apontou para a rua.
Fiquei confuso a princípio, mas logo me dei conta de que ele estava se referindo a Taemin, cujo porte físico era meio impressionante.
-         Eles não o conhecem, não sabem como ele é. Além do mais, você é...
-         Apontei para ele sem terminar a frase. Tentei pensar em um super-herói diferente para comparar, mas nenhum me veio à cabeça. Não era um assunto que eu dominava. Será que tinha algum parecido com ele? Homem- Aranha? Não ia parecer um elogio.
Ele ficou ali, imóvel, me encarando, me esperando terminar a frase.
-         Eu pago.
Ele ergueu as sobrancelhas.
-         Tenho certeza que existem serviços desse tipo. Quem sabe se você ligar para o disque-michê ou alguma coisa assim?
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um sorriso.
-         Você sabe o número de cor? Ele soltou uma única risada.
-         Tudo bem. Se você não gosta da ideia de aceitar dinheiro, fico te devendo essa.
-         Devendo o quê?
-         Não sei... Se um dia você precisar de um encontro de mentira, pode contar comigo.
-         Não costumo precisar de encontros de mentira.
-         Bom, tudo bem. Fico contente por saber que você consegue um encontro sempre que quer, mas comigo não é assim. Quer dizer, normalmente eu consigo, mas obviamente não aqui, no meio de um estacionamento vazio. — Eu teria que chorar lágrimas de mentira para conseguir um encontro de mentira?
-         Tudo bem.
-         Tudo bem? — Fiquei surpreso, embora tivesse esperança de que ele dissesse sim, porém não, afinal eu não sabia se ele ia querer ser visto com outro homem, ou melhor, como namorado de outro homem.
-         Sim. Moro a seis quarteirões daqui. Vou trocar de roupa, vestir alguma coisa com mais cara de baile de formatura. — E subiu o vidro, resmungando algo sobre não acreditar que estava concordando com aquilo. Depois foi embora.
Fiquei ali por uns cinco minutos pensando se ele não havia só encontrado um jeito de escapar. Provavelmente mandaria uma mensagem para a irmã pedindo para ela ligar quando quisesse ir para casa. Aliás, se ele morava a apenas seis quarteirões dali, por que estava esperando no estacionamento? Não devia ter voltado para casa e esperado lá?

Peguei o celular e dei uma olhada no Instagram e no Twitter para me certificar de que o Taemin não havia postado nada sobre o nosso rompimento. Não havia nada. Aquilo não me surpreendeu; Taemin não era tão adepto das redes sociais. Mais uma razão para Yuna pensar que eu havia inventado nosso relacionamento. Postei no Twitter que o baile seria um arraso, depois guardei o celular no bolso da minha calça azul-petróleo.
Mais dez minutos se passaram, e eu tinha certeza de que ele não ia voltar. Comecei a pensar em todas as desculpas que daria aos meus amigos quando entrasse. Ele estava doente. Tinha que estudar para as provas finais da faculdade na segunda-feira... porque ele está na faculdade.
Suspirei. Aquilo era patético. A verdade. Eu tinha que contar a verdade. Ele terminou comigo no estacionamento. Meus olhos arderam por causa das lágrimas quando pensei nisso. O Taemin tinha terminado comigo no estacionamento. Eu tinha estragado tudo e perdido o namorado, e agora podia perder mais do que ele. Essa seria a última evidência de que meus amigos precisavam para acreditar nas coisas que a Yuna falava? Eu sabia como ela me olharia quando eu contasse a verdade. Seria o olhar de "Ah, tá, ele não existe". Ela me olhava do mesmo jeito toda vez que eu mencionava meu namorado. Era o olhar que sempre me fazia contar mais histórias. Pena que eu tenha contado tantas que até meus outros amigos começaram a questionar a existência de Taemin.
A gente se conheceu em um café na KAIST durante um festival de cinema do qual meu irmão mais velho estava participando. Taemin estava sozinho no café e pensou que eu estudasse lá. Não desmenti, porque seria aluno no ano seguinte. Eu havia recebido a carta de aprovação naquele mesmo fim de semana, e já me sentia universitário. Trocamos telefones e conversamos por mensagem durante um tempo. E o que começou como uma simples atração virou algo maior. Ele contava piadas idiotas e conhecia muitos lugares por causa das suas viagens. Era interessante. Duas semanas mais tarde, contei a verdade sobre a minha idade. Àquela altura, já gostávamos um do outro. O problema era que eu morava a duas horas da KAIST. Então ele só foi me ver duas vezes durante os dois meses de namoro, e não chegou a conhecer os meus amigos. E agora estava acabado.

Endireitei os ombros e encarei a porta do ginásio. Eu não precisava de um namorado, real ou de mentira. Meus amigos gostavam de mim, independentemente de eu estar com alguém ou não. Pensei nisso e desejei que fosse verdade. Eu não podia perder o namorado e os amigos em uma noite só. Precisava deles na minha vida. Quando comecei a andar, faróis projetaram minha sombra no asfalto à frente. Eu me virei quando o motorista desligou o motor e apagou as luzes.
O cara saiu do carro.
-         Ia entrar sem mim depois de todo aquele drama?

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**Korea Advanced Institute of Science and Technology (KAIST) -  Localizada em Daejeon

Namorado de AluguelOnde histórias criam vida. Descubra agora