CAPÍTULO XXI

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Enquanto eu esperava na cozinha, olhando pela janela a todo instante para ver se Jungkook já havia chegado, eu me sentia mais feliz do que me sentira a semana inteira. O convite para a cerimônia de premiação de Jin estava na minha mão.
Minha mãe entrou toda arrumada, usando o que eu chamava de roupa de corretora, que hoje eram blazer vermelho e saia lápis preta.
-         Ainda não me sinto confortável. Não conheço bem esses garotos, e o seu irmão nem sabe que você vai.
-         Mãe, é surpresa. Por favor, não conte ao Jin. E você conversou com os pais do Jungkook. Pensei que estivesse tudo bem.
-         Estava. Agora estou incomodada outra vez.
-         Você pode conhecer o Jungkook quando ele chegar. Vai se sentir melhor.

Ela olhou para o relógio, provavelmente calculando se tinha tempo para isso. Quando eu estava prestes a perguntar a que horas ela teria que sair, ouvimos a campainha. Minha mãe abriu a porta, comigo bem atrás. Quase desejei que Jihye tivesse ficado no carro, porque o efeito calmante que Jungkook poderia ter sobre a minha mãe, com aquele cabelo infantil caindo sobre a testa e o sorriso afável, foi, provavelmente, revertido pela ansiedade que Jihye parecia produzir nela.
Jungkook estendeu a mão.
-         Oi. Sra. Park? Eu sou o Jungkook.
-         Oi, Jungkook.
-         Oi, sra. P. É bom te ver de novo — Jihye cumprimentou.
-         Oi. Eu só... — A cabeça da minha mãe ia explodir, eu sabia. A boa educação lutava com a preocupação.
-         Mãe, vai dar tudo certo. Obrigado por me deixar ir. Eu telefono assim que chegar lá e assim que entrarmos no carro pra voltar pra casa.
Ela juntou as mãos em um gesto aflito, e Jungkook sorriu para ela. Isso a fez soltar o ar e assentir.
Eu a abracei antes que ela mudasse de ideia, passei por ela e saí.
-         Obrigado, mãe.
-         Comporte-se. Amo você.
Jihye sentou no banco do passageiro, como se quisesse me mostrar qual era o meu lugar, e eu sentei no banco de trás.
Jungkook engatou a ré.
-         Sua mãe não confia na gente?  - Revirei os olhos.
-         Minha mãe não confia em ninguém que não conhece, mas nunca diz não na frente dos meus amigos. Ela não quer que as pessoas pensem que as coisas em casa são menos que perfeitas.
Jihye riu.
-         Bom saber que você encontrou um jeito de manipular a sua mãe.
-         Eu chamo de orientação criativa. - Jungkook entrou na avenida principal.
-         Como foi a semana?
-         Tudo bem. E a sua?
-         Longa.
Tentei interpretar essa única palavra.
-         Muita coisa no colégio? - Perguntei
-         Não, pelo contrário. Foi uma semana realmente lenta. Estamos nos preparando para as provas finais, tem muita revisão.
-         Entendi. Nós também.
-         Vocês dois são tão chatos — disse Jihye. — Acho que eu devia ter ido no banco de trás. — E pôs os fones de ouvido.
-         Ela tem bem pouco do meu pai — Jungkook comentou. Eu ri.
-         E aí, que comida você acha que não pode faltar em uma viagem de carro? — ele perguntou, parando na mesma loja de conveniência onde falei com Jihye no outro dia.
-         Não sei se tenho alguma coisa indispensável. - Ele abriu a porta.
-         Nesse caso, é melhor acharmos alguma coisa para você.
-         Quero amendoim e chocolate — Jihye falou alto, sem se dar conta de que a ouvíamos bem. — E o Nate gosta de alcaçuz.
Jungkook tirou um fone do ouvido dela.
-         Não sou seu empregado, e pensei que o Nate não iria. - O comentário arrancou um suspiro de Jihye.
-         Ele acabou de me mandar uma mensagem. Decidiu ir.
Achei que ela fosse sair do carro para ir com a gente, mas não foi o que aconteceu.
-         A Jihye não vai entrar? — Perguntei.
-         Não. Ela sabe que eu vou me sentir culpado e comprar as coisas que ela pediu.
Eu ri.
-         Ela condicionou você, então?
-         Exatamente. — Jungkook abriu a porta para mim e um sininho anunciou nossa entrada na loja.
-         O Nate também vai?
-         Algum problema?
-         É claro que não. Você é o motorista. E o convite é para quatro pessoas, tudo certo.
-         Ah, é verdade. Esqueci que precisamos de convite. Ainda bem que o seu é para quatro. — Ele me levou ao corredor de doces. — Tudo bem, um doce é indispensável. — E pegou um pacote de M&M'S. — Mas tem que vir depois de alguma coisa salgada. — Ele pegou um pacote de pretzels. — E preciso de cafeína, claro. — Ele se aproximou da geladeira e pegou um refrigerante. — E aí está a combinação perfeita para uma viagem de carro.
-         Você viaja muito de carro?
-         Nós viajamos muito. Teve um verão em que a minha mãe obrigou a gente a passar três semanas rodando pelo país. Foi uma tortura.
-         Como assim?
-         Você ouviu o que eu disse? Três semanas em um trailer.
-         Eu acho divertido.
-         É porque você nunca passou três semanas em um trailer. É como morar empilhado. Às vezes eu tinha a impressão de que estava assim com Jihye. — E deu dois passos na minha direção, colando o peito ao meu ombro. Senti o cheiro do perfume que ele usava e quase fechei os olhos, porque era muito bom.
-         Não é tão ruim — falei, olhando para ele. Jungkook sorriu.
-         Bom, foi ruim. — E passou um braço por trás das minhas costas para pegar uma embalagem de Cheetos na prateleira. Segurou o pacote entre nós. — Este é o seu salgado.
É gostoso. Torci o nariz.
-         Não gosto de Cheetos.
Finalmente ele recuou um passo, e eu voltei a respirar.
-         Que comida te inspiraria a escrever uma carta para o fabricante? - Olhei para os pacotes coloridos organizados nas prateleiras do corredor.
Ou não havia experimentado muita coisa industrializada, ou não me inspirava facilmente, porque nada parecia bom.
-         Nada? — ele perguntou. — Exigente. Vamos fazer um exercício de visualização.
Fazemos nas aulas de teatro de vez em quando.
Eu fazia visualizações antes de apresentar trabalhos no colégio. Imaginava exatamente o que eu queria dizer e como ia dizer. Mas não ia fazer isso no corredor de salgadinhos de uma loja de conveniência.
-         Tudo bem, vou escolher aqui... — E peguei a primeira coisa que minha mão tocou.
Jungkook ergueu as sobrancelhas.
-         Banana desidratada?
-         É.
-         Tudo bem. E o doce?
-         Só isso é suficiente. Já é doce e salgado.
-         Você precisa de duas coisas.
-         O Nate só tem uma — falei, apontando o alcaçuz que já estava na mão de Jungkook.
-         Não sou responsável pelo Nate.  - Ergui uma sobrancelha.
-         Mas é responsável por mim?
-         Hoje sou, e acho que você não está entendendo a importância do lanchinho para a viagem de carro. Fecha os olhos.
Duas crianças entraram no corredor onde estávamos, rindo e procurando alguma coisa nas prateleiras.
-         Não se preocupa com eles, fecha os olhos. - Suspirei e obedeci.
-         Imagina que estamos dirigindo, erramos o caminho e nos perdemos em uma floresta fechada.
-         Tem uma floresta no caminho para a KAIST?
-         Shhh. — Ele tocou minha boca com um dedo, e eu não contive o riso. — Estamos visualizando, Jimin, visualizando.
-         Certo. Floresta — falei com dificuldade, apesar do dedo.
Ele mudou a mão de lugar, segurou meu ombro, e eu não sabia se estava mais perto de mim, mas tive a impressão de que a voz era mais baixa e, ao mais tempo, mais próxima.
-         Ficamos sem gasolina tentando encontrar o caminho e acabamos presos na floresta por três dias. Eu, que sou forte e corajoso, decido sair do carro e ir procurar ajuda.
-         Isso é o começo de todos os filmes de terror.
-         Metade de mais um dia passa, e você está faminto. Pega a sacola e encontra...
-         Se foram três dias, eu não encontro nada. Já comi tudo.
Ouvi o sorriso na voz dele quando disse: — Sobrou uma coisa só.
-         Seu pacote de M&M'S. Você esteve ocupado demais sendo forte e corajoso para lembrar de levar os M&M'S quando saiu do carro. E é o que eu vou comer.
Ele pegou o pacote de banana desidratada da minha mão, e eu abri os olhos.
-         Banana desidratada e mais um pacote de M&M'S — Jungkook decidiu.
-         É isso. Você não vai roubar os meus.
-        Joguinho divertido — falei atrás dele a caminho do caixa.
Quando chegamos ao carro, Jihye havia passado para o banco de trás, provavelmente porque agora o namorado dela também iria.
-         Gente chata na frente. — Ela estava toda esparramada. — Cadê a comida?
-         Eu disse que não sou seu empregado. Não trouxe nada pra você. Jihye não disse nada. Só estendeu a mão aberta entre os dois bancos. Jungkook balançou a cabeça e entregou as coisas que ela havia pedido.
-         Um dia você vai ficar sem comida.
-         Um dia vou entrar na equipe das líderes de torcida e o meu apelido vai ser Jihyeky.
-         Isso não aconteceu no ano passado?
-         Ah, é. Acho que a comparação não foi boa, então.
-         Você foi líder de torcida? — Perguntei, sem saber se eles estavam brincando ou não.
-         Ela foi. E das boas.
Lembrei que Jungkook havia comentado na festa que Jihye gostava de fazer tipo para manter as pessoas afastadas. Ser líder de torcida era outro exemplo disso?
-         Das boas? — Ela olhou para mim. — Por que a cara de espanto, sr.
Presidente? Eu também já fui popular.
-         Espera — Jungkook interrompeu. — Você é o presidente do conselho estudantil?
Jihye fingiu surpresa.
-         Ah, não, o serviço secreto tinha que vir? Isso é uma falha de segurança?
Jungkook ignorou a irmã.
-         Você disse que era do conselho estudantil, só isso.
-         É verdade. Sou o presidente do conselho estudantil.
-         Para conseguir bolsa ou porque gosta de liderar?
-         As duas coisas, acho.
-         É uma conquista muito importante, Jimin. Parabéns.

Namorado de AluguelOnde histórias criam vida. Descubra agora