Interprete o Abstrato

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Já se passaram quatro dias desde que o convite para um encontro foi feito. Desde então, as manhãs têm sido tranquilas, nada além de atividades e trabalhos os atormentaram. Mas ao aparecer das estrelas e escurecer do céu, tanto Tadashi quanto Kei se perdem em pensamentos.

Agora, na última noite antes do encontro, ambos se estão em suas casas, cada um em seu quarto, submersos em seus próprios mundos irreais.

O garoto de cabelos verdes inicialmente se frustrou. Todas as noites desde que se declarou para o amigo, Yamaguchi apaga a luz, deita-se em sua cama e observa o teto.

Mesmo com a luz desligada, ainda é possível enxergar. A iluminação da rua e dos outros cômodos, invadem o quarto por qualquer brecha que seja possível. Esses feixes de luz que escapam de seus pontos originais, chegam até os objetos do cômodo, reproduzindo sua imagem de forma distorcida e escura em um teto branco.

As formas abstratas que se criam pela mistura de sombras, servem como passagem do realismo para o imaginário. É com o preto e branco do ambiente que Tadashi se acalma, e então permite-se pensar em Kei.

Todos os momentos com o loiro passam e repassam em sua memória, e mesmo que repetitivo, ele não se cansa. Imaginar uma vida com Kei é algo que também lhe custa parte da noite, mas hoje, um dia antes do encontro, Tadashi limita-se ao presente.

Agora, em plena madrugada de quarta-feira, a ansiedade que nunca fora desconhecida, lhe impede — novamente — de ter uma boa noite de sono. Juntamente a ela, medos e desejos surgem conforme o passar dos minutos.

Yamaguchi ainda sente receios perante Kei. As últimas mudanças estão lhe confundindo e o deixando antecipadamente preocupado. Entretanto, o que ele espera desse encontro contradiz todos os seus receios.

Sua imaginação não se apega ao provável e então, permite-se pensar nas mais demasiadas idéias, baseando-se em suas ocultas vontades — Algo improvável, porém possível.

Nesta última noite antes do encontro, Yamaguchi fortalece pouco a pouco sua paixão. E ao pensar mais uma vez em tudo que passou até chegar neste momento, sente-se realizado. Mesmo que ainda exista insegurança em seu interior, a ansiedade passou a ser aliada, portanto, nada mais lhe impedirá de viver seu romance.

Assim como todas as outras noites, Kei está sentado na cadeira giratória de seu quarto enquanto apoia ambos os braços em sua mesa de estudos e observa o céu. O objetivo de tal posição era estudar, porém, sua mente limita-se a uma única coisa, impedindo que qualquer texto lido faça sentindo em sua mente. Tadashi Yamaguchi é o culpado pela ineficácia de seus métodos de estudo.

Desde que o encontro foi marcado, o loiro não consegue parar de fazer cogitações. A cada hora, uma possibilidade diferente lhe é apresentada por sua própria mente. Por mais que a única base que tenha seja uma ideia pouco discutida, Kei faz suas suposições.

De certa forma, tudo está abstrato para si, e o método que aderiu como refúgio é planejar. Entretanto, seus sentimentos se misturam como tintas, sendo cada vez mais difícil de interpreta-los em sua forma pura. Quanto mais ele observou, mais cores novas se criaram, e agora, na madrugada no dia marcado, toda a mistura forma uma única cor. Um único sentimento. Este que também é novo, sendo indescritível e indefinido ao seu ver.

De forma esperada, Tsukishima mantém a calma, analisando tudo que pode de modo preciso. Entender a si mesmo é o objetivo desta noite.

__________
Quarta-feira, 15:20 – Colégio Karasuno, última aula.

Faltando apenas dez minutos para o fim da aula, todo o foco, antes direcionado para o professor, está disperso pelo ambiente.

Enquanto alguns pensam nas atividades e outros em coisas aleatórias, Yamaguchi conta cada segundo, acompanhando com os olhos o relógio que está preso na parede da sala e mordendo a tampa de sua cabeça caneta esferográfica. Disfarçar não é seu forte, e muito menos a sua maior preocupação.

Por outro lado, Kei mantém sua expressão séria, mas a calmaria está apenas por fora. Seu interior pode ser representado por uma pintura abstrata, cuja nenhuma cor foi poupada. Essa confusão, de fato, não é nova, porém ainda lhe surpreende com emoções. Apesar de ser bom com a neutralidade, quem o observasse de perto, notaria sua inquietação.

15:40

A aula acabou há dez minutos, e agora Tsukishima coopera com a limpeza da sala. Yamaguchi já terminou sua parte, portanto, anda até o portão de saída, onde esperará Kei.

Enquanto caminha, suas mãos suam e seu coração acelera, mas nessa situação, o nervosismo é sinônimo do desejo. Por assim ser, o remédio para esse sentimento nada mais é do que o causador dele.

Poucos minutos se passaram e Kei já havia terminado suas tarefas. Ao caminhar pelos corredores do colégio, através de uma janela pode ver Tadashi. Aos seus olhos atentos, o nervosismo alheio foi visível —mesmo que de longe — sorriu. A partir deste momento o loiro ignorou suas dúvidas e permitiu-se experimentar o novo.

Yamaguchi, ao reparar que Tsukki se aproxima, ficou curiosamente calmo. Sorriu verdadeiramente e o chamou — de forma autêntica e incomparável — pelo seu apelido.

     — Tsuukkii! — Ao ouvir seu apelido pronunciado por Tadashi, foi necessário autocontrole – a especialidade do loiro. Ele apenas sorriu. — Vamos?

     — Claro.

     — Então… isso quer dizer que você aceitou minha proposta? — Yamaguchi diz animado, olhando para o maior enquanto em seu rosto está estampado um sorriso sugestivo. Kei suspira.

     — Simm Yamaguchi… podemos fazer um piquenique. — o loiro não pode conter um pequeno sorriso. Não é uma coisa que vê graça, mas ceder para Tadashi sempre foi inevitável, ele tem consciência disso.

     — Ótimo, eu já trouxe uma toalha. — Kei o olha de canto. — Precaução. — responde envergonhado.

     — Temos que passar em uma loja de conveniência, certo? — Tadashi concorda.

     — Tem uma aqui perto.

     — A Sakanoshita? — Yamaguchi pareceu não entender. — A loja do Ukai.

     — Ah!? Não, uma mais perto do parque. — aponta para uma esquina um pouco longe da posição que estão. — É só virar ali e seguir reto.

     — Certo.

Seguiram em linha reta até que chegassem no ponto antes mencionado. Ao dobrar a esquina o colégio já não podia ser visto e o uniforme se tornou uma característica apenas dos seus corpos. Estão em meio ao desconhecido.

Assim como o proibido, o anonimato também contribui com o surgimento de novas reações. Essa situação tem gosto de liberdade, e dois adolescentes apaixonados são sensíveis a ela.

Mesmo que ter um público deixe Yamaguchi receoso, Kei não se afeta da mesma maneira. Dessa vez, toda a ação foi feita pelo loiro, surpreendendo e constrangendo Tadashi, que mesmo assim não tardou em retribuir.

Suas mãos novamente estão juntas em um toque simples e casto. Porém, o local que fora realizada teve um impacto muito maior: A primeira barreira entre eles e o resto do mundo foi quebrada.

Com esse acontecimento, ambos puderam perceber que ainda há muitas coisas a serem vividas. Uma infinidade de momentos os esperam, sendo complexos ou simples, todos significativos.

A cada passo que dão, uma ponta solta é amarrada, os conectando mais. A primeira etapa a ser concluída — o ato de declarar-se —, conectou suas mentes, os fazendo compartilhar cada dúvida e descoberta. Desta vez, a segunda etapa foi concluída, ligando seus corpos. Estes que em algum momento também desfrutarão das mesmas sensações.

Dar o primeiro passo não é o mesmo que andar. É após o segundo movimento que as coisas fluem, e nesta tarde, as duas peças principais desse romance, movem-se rapidamente por um caminho inusitado.

Experimente Olhar Uma Segunda VezOnde histórias criam vida. Descubra agora