Capítulo 13

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Pela segunda vez, puxaram meu tapete sem me dar nenhum aviso.

De alguma forma, era como se eu visse aquela cena de fora do meu corpo: as provas dos meus "pecados" em minhas mãos (inclusive conversas recentes que tive com Celso, onde ele dizia que estava em São Paulo e perguntava se eu já me decidira), a cara impassível e nada acolhedora de Jorge, e, repentinamente, meu medo de que algo precioso em minha vida estava perto de desaparecer. Infelizmente eu teria de esclarecer tudo com ele, meu "namorado" não merecia nada além da verdade, mas antes de tudo, eu precisava observar algo.

- Essas coisas estavam no meu WhatsApp. Como tiveram acesso a elas?

- Não sei, talvez tenha sido obra de algum hacker, vamos investigar. Mas não é por isso que estou aqui, Gustavo. Você pode me explicar o que essas fotos e mensagens querem dizer? Porque nós estamos nos vendo há semanas, e em nenhum momento você me falou que tinha uma vida paralela. E pelo visto, é uma vida paralela bem agitada. – Observou com o rosto ainda severo.

- Vou explicar sim, acredite, eu tive vontade de falar a esse respeito com você antes, mas não sabia como abordar o assunto. Podemos nos sentar no sofá? A história é um pouco longa. – Não sou muito de rezar, mas naquele exato momento eu rezava para encontrar as palavras certas.

- Pode falar, não tenho nenhum compromisso. – E tomou assento no sofá junto comigo.

Respirei fundo e, tentando acalmar o turbilhão de emoções em meu peito, comecei a contar-lhe minha história: como aquele escândalo custou tanto minha carreira televisiva quanto a teatral, e que quando vi todas as portas se fechando conheci Conrado e, ao saber que minhas finanças estavam comprometidas, ele me convidou para seu apartamento, transamos e, na prática, passei a ser sustentado por ele, que além de me ensinar a administrar bem meu dinheiro foi quem me incentivou a aceitar propostas de outros caras interessados em mim, bem como a cobrar caro por esses encontros. Falei ainda da sua morte repentina e da quantia que ele me deixou, e que para não despertar suspeitas de conhecidos pelo fato de que, mesmo não trabalhando mais como ator, ainda manter o mesmo estilo de vida, comecei a dar aulas de atuação, e que o sucesso de alguns dos meus alunos, aliado aos contatos de alguns de meus clientes, propiciou que eu também trabalhasse como preparador de elenco informal junto a emissoras. Contei ainda que só trabalhava com clientes fixos, nunca sem antes ser apresentado previamente, e por isso nunca senti o receio de ser atacado comum a profissionais do sexo.

- Você acha que as mensagens podem ter algo a ver com essas atividades? – Perguntou ele.

- Não sei, embora seja óbvio que o cara sabe disso. Como ele descobriu eu não sei, sempre exigi discrição dos meus clientes e, como disse, nunca aceitei ninguém sem ser apresentado antes. Posso botar minha mão no fogo com eles, nunca fui pra cama com alguém que não tivesse confiança.

- Você fala disso com tanta naturalidade. Não entendo. – O semblante dele parecia confuso.

- Porque eu não falaria, Jorge? Nesses 10 anos tive oportunidade de ver aspectos da natureza humana que eu desconhecia, é incrível o que você aprende nas camas de certas pessoas. Sim, pode ser que para muitas pessoas eu seja um pecador, um aproveitador do dinheiro alheio, mas nunca fiz mal a ninguém. Por outro lado, em quantos inquéritos e processos você mesmo, como delegado, não deve ter visto réus que eram "bons pais de família", com imagem quase angelical e considerados pilares da comunidade, mas quando a sociedade não olhava roubavam, corrompiam ou mesmo estupravam e matavam? Você pode dizer com honestidade que eles eram piores que eu? – Eu estava irritado sim, aparentemente eu tinha descido muito na avaliação dele, mas eu tentava ser razoável, pois, para alguém certinho com ele era, descobrir meu outro lado não seria fácil. Até o momento ele não fizera nada que o desmerecesse aos meus olhos, e era a isso que eu tentava me apegar.

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