Epílogo

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Oito meses depois

- Animado com a estreia do filme, Gustavo? – Perguntou-me o repórter de um importante site de cinema, que havia sido convidado junto com vários outros para a primeira sessão oficial de "Amor entre sombras", título que acabou sendo o definitivo, num imponente cinema de shopping. Contudo, o filme já causava um certo burburinho, pois desde que a montagem foi concluída, dois meses atrás, já ganhara três prêmios internacionais, dois deles em festivais ligados ao público LGBT, e estava inscrito em muitos outros que ocorreriam nos próximos meses.

- Sem dúvida. O cinema nunca foi a minha especialidade quando eu estava no auge, e depois de 10 anos longe dos holofotes ganhei logo o papel de protagonista. Espero corresponder às expectativas. – Respondi enquanto dava uma ajeitada no meu terno. Os produtores não economizaram no requinte, ao menos nesse ponto a participação da emissora foi útil.

- Creio que não será difícil, depois das críticas que você tem recebido nos últimos meses. A nova temporada da peça já foi confirmada? – Referindo-me à mais nova montagem de "A gaiola das loucas", que fora a verdadeira responsável por meu retorno aos holofotes.

- Confirmadíssima. E mais: dois dos integrantes do filme, Osvaldo Lambertini e Lúcia Carneiro, farão parte dela, interpretando meu filho e sua noiva. – Quando soube que os atores originais receberam convites para outra peça, achei que não custava nada dar uma mãozinha a meus ex-alunos, que tinham acabado de ficar noivos. Afinal de contas, foi graças a um amigo que consegui aquela oportunidade.

Para minha surpresa, poucos dias após minha conversa com Jorge, Rubinho mandou um recado para ele dizendo que o ator que faria Georges, o dono da boate que dá nome à peça, coroa, homossexual e casado com uma drag queen, fora obrigado a renunciar ao papel por causa de novos compromissos. Ele achou que o papel seria perfeito para mim, caso conseguisse passar no teste, decorar o texto, canções e coreografias, e ainda havia a vantagem de que, devido à proximidade da estreia, eles não poderiam ser muito exigentes. Assim, dei um jeito de assistir o filme francês, fiz o teste, intermediado pelo meu cunhado, em que recitei diálogos, cantei algumas canções e, quando perguntaram sobre o meu passado, lembrei que, para aquele tipo de papel, ele até poderia ser um chamariz para o público. E de fato, quando anunciaram que eu era o novo protagonista, houve divisão entre os que defendiam o meu retorno aos palcos e os que questionavam se, depois de tantos anos sem aparecer, ainda havia lugar para mim no show business paulista. Essa controvérsia acabou atiçando a curiosidade do público, que compraram os ingressos assim que eles foram disponíveis e lotaram o teatro para ver se eu daria conta de viver um papel que, no cinema, fora imortalizado por Ugo Tognazzi e Robin Williams, e aqui tivera sua primeira encarnação com Jorge Dória. Felizmente, minha disciplina permitiu que eu não demorasse a alcançar o ritmo do elenco, igualando-me a eles em poucos ensaios, e no dia da estréia já estávamos bem afinados. Não sem muita surpresa, embora os críticos fizessem senões a algumas cenas, consideradas datadas, a importância do musical foi reconhecida, e me elogiaram por dar um ar menos afetado e mais sacana ao personagem.

- Fico feliz. E falando em seus colegas, seu co-protagonista, Sandro Marques, continua internado? – Referindo-se à versão que divulgamos para evitar questionamentos, de que ele tivera um colapso nervoso pouco após as filmagens e, com o apoio da família, estava internado num sanatório tentando se recuperar. Eles só não precisavam saber que esse sanatório era um manicômio judiciário, e embora sua pena fosse até leve ele só sairia de lá quando se comprovasse que não era mais um perigo para a sociedade.

- Infelizmente sim, mas creio que logo ele estará diante dos holofotes. Espero que vocês o observem e escrevam sobre ele, sua atuação é fantástica. – Elogiei, ele realmente merecia ser lembrado e esperava que, mesmo que ele não voltasse a ser ator, ele recuperasse sua humanidade algum dia. Nenhum de nós é perfeito, eu muito menos, não me sinto em condições de avaliá-lo com superioridade, não depois de tudo o que tive de fazer para sobreviver.

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