9- Fugitiva

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Chorar era um eufemismo barato diante do restante do dia e noite que tive, eu estava devastada. Quando um inimigo te ataca você inicialmente pode sentir dor, mas depois você contra ataca, mas quando alguém que você ama te fere passado a primeira onda de raiva você só sente uma sensação de inércia. A impotência era o que definia o que eu sentia, eu queria gritar, queria rasgar o próprio véu do tempo com meus gritos para voltar no passado e ter aquela calmaria confortável de antes. Os momentos que eu julgava que minha mãe estava favorecendo minhas irmãs? Isso era algo insignificante agora, eu não ligava para isso, a única coisa que eu queria era alguma, mesmo que frágil, sensação de pertencimento. A minha única certeza era que não pertencia mais ali, aquela família parecia não ter mais um lugar para mim. Isso doía.

O dia amanheceu, eu não desci para o café como havia feito por quinze anos da minha vida... mas ninguém me chamou. Luísa mais tarde até veio a minha porta perguntar se eu iria a escola, mas mesmo ela já não via estranheza ao ouvir que eu iria ficar em casa. Observei pela janela todos os três carros irem embora. Luísa ia sozinha em seu carro, Laura e Ângela em outro, Susan Halle dirigia a sua Range Rover negra, ela desapareceu logo no horizonte, ao que parece não havia nada em casa que ela precisasse resolver, ela já estava apta a seguir sua rotina no trabalho com normalidade.

As palavras de Susan martelavam na minha cabeça. Sim, Susan, não parecia certo chamar de mãe alguém que não luta por você, alguém que apenas quer te ver pelas costas. Ela achava que meu erro era existir, e queria que eu apenas sumisse. Eu faria isso por ela.

Eu nunca fui muito adepta a clichês adolescentes, fugir de casa devido a problemas familiares nunca fora algo que eu me imaginasse fazendo, mas enquanto eu reunia moletons, jeans, camisetas, um tênis, algumas roupas íntimas, minha escova de dentes e de cabelo em uma mochila eu não me imaginava uma adolescente boba fujona. Eu era alguém procurando um rumo visando o bem de todos.

Peguei uns quinhentos dólares que tinha guardado e o medalhão e a carta da minha mãe, saí de casa sorrateiramente, ao chegar na rua fiquei satisfeita por Carmem nem Marge terem me visto. Fui andando meio sem destino na rua, o que estava fazendo? Sei lá! Já não era como se eu tivesse uma casa, pois assim que eu cruzei o portão do grande condomínio que minha casa ficava aquele lugar me pareceu pertencer a vida de outra pessoa, não a minha.

Eu peguei um ônibus e depois o metrô, logo depois entrei dentro de outro ônibus, e mesmo após isso andei por horas na direção contrária à minha casa, talvez me afastar o máximo possível de tudo aquilo pudesse fazer a minha dor desaparecer. Eu não costumava andar muito pela cidade sozinha, logo estava perdida.

Engraçado, andar sem destino não era tão ruim assim. Eu via várias pessoas passando por mim, algumas passavam quase esbarrando nos outros pedestres, provavelmente indo para seus empregos, outros gritavam e gesticulavam ao telefone, e tinha algumas que apenas me olhavam com uma expressão mal humorada.vi também pessoas mais amistosas, uma velhinha estava sentada em uma cafeteria, eu a olhei e ela sorriu para mim, um casal andava com seu filho, o garoto parecia ter uns cinco anos, estava nos ombros do homem, o homem e a mulher riam de algo que ele estava falando. Todos seguiam suas vidas, tinham suas próprias histórias, seus próprios problemas. Eu percebi que tudo estava alheio a mim, eu nunca havia me sentido tão sozinha.

A noite começava e eu estava muito cansada, havia andado o dia todo, só havia parado para comer um hambúrguer perto do meio dia. Meus pés doíam, eu me sentei em um banco de uma pequena praça. A praça ficava em uma região meio afastada, algumas luzes dos postes de iluminação pública estavam queimadas, isso dava um tom lúgubre e sombrio ao lugar. Havia algumas árvores e arbustos cercando a praça, e ao longe eu podia ver que aquela parte da cidade ficava as margens de uma densa floresta. Um arrepio percorreu minha nuca, talvez tivesse sido mais esperto procurar um lugar para dormir enquanto estivesse mais cedo.

A Ordem Da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora