Prólogo

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Sarah

A televisão continua com as imagens das buscas dos corpos. Eu devo estar em um pesadelo, não pode ser real. Rina está jogada no sofá dormindo, Marta entra a cada dez minutos me oferecendo algo para comer ou pede que eu me deite um pouco. Não consigo. Não posso sair da frente da televisão. Tenho certeza que em algum momento vão anunciar que era tudo um erro. O avião que caiu não é o que estão a minha família, as únicas pessoas que me restam nessa vida. Tenho certeza que eles não iriam fazer isso comigo. Eles jamais me abandonariam, sempre me protegeram de tudo e de todos.

— Sarah, querida. — Marta entra novamente. — Já tem quase um dia que você está plantada aí. Não descansa, não come nada, você não vai aguentar, querida. — Realmente eu não vou aguentar.

Pego o meu celular e mando outra mensagem para Edu.

Eu 20:31: Porra, Edu. Já deu. Essa brincadeira já cansou. Pode me responder agora?

Há pelo menos umas vinte mensagens não respondidas, umas cinquenta ligações para ele, para a mamãe e para o Andrei.

Eu estou chegando ao limite.

Ouço um barulho na entrada de casa e me levanto correndo. São eles, tenho certeza. Eles estão chegando.

Artur entra com um homem e uma mulher.

— Sarah, trouxe um médico e uma psicóloga para conversarem com você — Artur informa, e meu coração está tão preso no peito que parece que nem quer mais bater.

— Não quero ninguém Artur. Eu preciso da mamãe, do Edu e do Andrei. Todos aqui, todos comigo. — Por que eu não fui com eles? Eu tinha que está lá. Eu não posso ficar aqui.

— Venha cá, Sarah. — A mulher segura a minha mão e me guia até o sofá. A televisão começa a noticiar uma informação de última hora:

A equipe de busca acaba de informar que foram encontrados mais dois corpos nos destroços do avião que levava a família do empresário Andrei Schmidt. Ao que tudo indica os corpos encontrados pertencem à esposa e o filho do empresário. Com isso já somam quatro corpos identificados, restando mais dois que...

Artur corre e desliga a televisão.

— Não Artur — grito. — Você não pode fazer isso. Eles ainda vão dizer que é mentira, que foi um erro. — Rina acordou e se coloca ao meu lado. Continuo gritando, tento tomar o controle da mão do Artur. — Não, Artur, não. — O choro que estava esse tempo todo sendo guardado começa a sair em enxurrada de dentro de mim. Artur me segura, me abraça e chora junto comigo. Rina passa as mãos em minhas costas, está assustada.

— Não é mentira, minha querida. Infelizmente não é mentira.

— Não Artur, eu não posso. Não posso continuar sem eles.

— Pode. Você vai conseguir. Eu estou aqui com você. Farei tudo que estiver ao meu alcance para te ajudar. Nós vamos consegui. — O choro me consome e eu nem percebo quando sou levada para o quarto.

Os profissionais que o Artur trouxe conversaram alguma coisa e sei que me fizeram tomar algum remédio.

Quando acordo, percebo que é madrugada. A casa está em silêncio e Rina está deitada ao meu lado na cama.

A ficha cai. Agora essa é a minha vida. Não tenho mai ninguém além dela. Quando eu me levanto ela se assusta.

— Sarah, já acordou, ainda nem amanheceu — ela resmunga e se espreguiça. Eu estou andando de um lado para o outro no quarto, com as imagens dos destroços em minha mente. Eles se foram. E agora? O que vai ser de mim? Não vou conseguir sozinha.

Uma dor aguda dilacera o meu peito. Por que dói tanto?

— Você sempre vai ter a mim — ela tenta inutilmente me tranquilizar. — Eu sei, as coisas vão cair para cima de você, mas o Artur pode assumir a empresa. Você não tem jeito mesmo para essas coisas, você nunca poderia assumir tanta responsabilidade. — Eu sei, ela tem razão. Não sou capaz, não sei nada dessa vida. — Deixa que ele continue por lá. Seguiremos como sempre, só nós duas aqui, não precisamos do mundo lá fora. Eu vou ficar com você para sempre. Não precisamos de mais ninguém.

Ela não sabe o que diz. Eu preciso, preciso deles. Eu não quero ficar numa vida sem eles, nem consigo fazer isso. Não posso.

Ando até a porta.

— Aonde você vai? — ela pergunta. — Ainda está muito cedo, volta para dormir um pouco.

Dormir é a última coisa que penso. Preciso fazer alguma coisa, não posso aceitar essa situação. Só de pensar em uma vida da forma que a Rina descreveu, eu tenho a visão do inferno. Eu não quero viver essa vida. Não posso.

Entro na cozinha e minha atenção para no suporte de facas. Começo a chorar. Não tenho escolha. Não posso viver nessa realidade cruel, não consigo viver com essa dor. Pego a maior das facas e posiciono a lâmina em meu pulso.


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