Capítulo 6 | Roque

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O DESLOCAMENTO DO REI

Não precisou do despertador para acordar na hora de sempre, uma vez que passara a noite inteira em claro, pensando em uma maneira de agir depois do agradável interlúdio da noite anterior. Queria aproximar-se de Alexander, conhecê-lo melhor, mas não podia assustá-lo.

Entrou no banheiro, perdido em seus pensamentos, num turbilhão quase tão enlouquecedor quanto o que vivia nos momentos de criação, sozinho, no silêncio do escritório. Precisava encontrar uma maneira de demonstrar o que sentia sem pressão ou cobrança. E... não sabia por onde começar, nem havia muito tempo para descobrir.

Arrumou-se com movimentos mecânicos, mais rápido que o habitual, sem perceber que estava, de repente, ansioso pelo desjejum. Antes de sair do quarto, pegou a gravata e atirou-a por sobre o ombro, um hábito inconsciente. Seguiu pelo corredor silencioso, com passos firmes, decididos. No entanto, ao surgir na sala, a convicção sumiu ao se deparar com a mesa, impecavelmente posta, e o homem idoso que se curvava sobre a toalha de linho, o jornal entre as mãos.

‒ Bom dia, Navarre ‒ saudou, a voz firme e baixa a esconder sua própria insegurança.

O pai ergueu o olhar, gentil, porém reservado.

‒ O café está fresco ‒ foi o comentário dele.

Nicholas não respondeu. Fitou-o, enquanto presenciava o rosto cansado pela idade esconder-se mais uma vez atrás das folhas. Por um momento, permaneceu exatamente onde estava, ali, em pé junto à cadeira, sem absoluta certeza se deveria ficar ou partir. Hesitou pelo que pareceu uma eternidade, até decidir-se por tomar o assento à sua frente.

Curioso, Navarre ergueu mais uma vez o olhar para o filho e perguntou se estava tudo bem. O jovem resmungou uma resposta enquanto se acomodava no estofado. Atônito, o velho enxadrista presenciou Nicholas sentar-se à mesa, como há anos não acontecia, tomar uma xícara e servir-se de café.

‒ O que foi? ‒ Perguntou o empresário, fitando o pai de soslaio.

‒ Não foi nada, filho! ‒ Respondeu de imediato, a voz carregada de felicidade. ‒ É que... bem... Quer um pedaço de bolo ou um suco de laranja?

Nicholas encarou-o, o rosto belo sem expressão.

‒ O fato de ter-me sentado à mesa não significa que mudei meus hábitos. Você já sabe que não como nada de manhã.

‒ Bom dia, minha gente.

Qualquer outro pensamento desapareceu diante da necessidade de olhar para ele. Alexander entrou no recinto, da maneira vivaz de todos os dias, com o mesmo uniforme escolar e a velha mochila surrada... E, ainda assim, era diferente! Havia algo que Nicholas nunca percebera, que não existia antes e, provavelmente, estava relacionado ao luminoso sorriso lançado pelo rapaz, do batente até sentar-se à mesa. Antes que pudesse retribuir o gesto, lembrou-se de que não estavam a sós.

‒ Bom dia, meu filho ‒ cumprimentou Navarre, trazendo-o de volta à realidade. ‒ Venha sentar conosco. Não está atrasado hoje, está?

‒ Não... Nenhum de nós está atrasado... ‒ concordou com ar vago e o olhar castanho fixo em Nicholas, este se serviu de mais café apenas para controlar a fascinação que o rapaz exercia sobre seus sentidos.

Passaram breves instantes em silêncio, até Alexander encher o ambiente com sua voz alegre, carregada de apaixonante intensidade, ao lembrar do compromisso marcado com o mestre desde a tarde anterior. O velho enxadrista sorriu diante de tanto entusiasmo, mas tratou de alertá-lo para que jogasse com calma, do contrário não conseguiria nem mesmo tomar uma única peça "da corte". Claro que a declaração soou repleta de ternura, misturada à gostosa gargalhada de ambos.

Xeque-Mate: o amor não tem regrasOnde histórias criam vida. Descubra agora