Capítulo 1 | Cara ou coroa?

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Afastou-se para dar passagem a um grupo barulhento, bem mais jovem e entusiasmado do que ele próprio, ainda na idade de acreditar que tudo pode e deve ser como sonhamos. O corpo, já cansado pela idade avançada, escorou-se no corrimão da escada. Respirou fundo, fatigado. A vida arrastava-se há muito pelo caminho. A morte vencia rapidamente a luta pela sobrevivência e, quando pensara não haver mais no que se agarrar, não haver razão alguma para continuar, encontrara o maior dos presentes, exatamente aquilo que vinha procurando.

Obtivera informações de seus conhecidos e colegas, buscara saber tudo sobre ele: antecedentes, condição financeira, meio familiar, influência social. As opiniões foram unânimes. O rapaz era um fenômeno ainda protegido pelo anonimato, mas pronto vencer se conduzido pelo tutor adequado.

Subiu os últimos degraus e saiu para o mezanino. A visão do ginásio lotado, o suave murmurinho elevando-se no ar, a tensão quase imperceptível da competição... tudo isso inflamava seu instinto, aguçava seus sentidos. Respirou forte, procurando reviver os tempos em que competia, o requinte dos salões internacionais e a vibração única do jogo. Tanta felicidade lhe trouxera, e tanto desgosto.

Seu olhar experiente procurou o motivo que o levara até ali. A final do Campeonato Estadual alcançava seu clímax naquele exato instante, uma partida formidável e vitória incomparável. Tão jovem ele ainda era e o transformaria no maior enxadrista que o mundo já vira, no maior gênio que os salões já puderam apreciar. Faria dele muito mais que um discípulo. Faria daquele rapaz sua perpetuação para o mundo.

Salvas de palmas ecoaram pelo ambiente em grande alvoroço. Ambos os enxadristas se ergueram da mesa, cumprimentando-se num breve aperto de mão e, em seguida, o vencedor virou-se para receber o troféu, seus olhos castanhos encarando cada um dos presentes, um olhar especial aquele, escuro e repleto de emoção; ele sorriu e caminhou para o microfone.

Não viu mais nada daí para frente. Um segundo antes de a voz grave do rapaz ressoar pelas caixas de som, o velho já descia as escadas novamente, rumo ao seu destino que, a partir daquela noite, estaria ligado ao do jovem no palco.

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Alexander Oliveira ergueu o troféu orgulhoso de si mesmo e do que havia conquistado. Lutara muito para chegar até ali, uma árdua batalha contra a dúvida, o receio, contra os próprios limites e, no final, conseguira: era o vencedor e sua vitória faria com que compreendessem sua paixão pelo xadrez.

Os aplausos ecoaram pelo salão lotado numa avalanche crescente de som e vibração. Uma forte emoção tomou-o por dentro, cessando-lhe a respiração por um instante. Era seu primeiro grande campeonato e isso só podia ser um tipo de sinal. Que outra explicação haveria além da que trilhava o caminho certo, que finalmente encontrara o rumo de sua própria vida? Faria do xadrez a razão de sua existência, realizaria seu maior sonho e seria feliz como poucas pessoas no mundo. Essa certeza renovou seu espírito de força.

Trêmulo, tomou o microfone que lhe era estendido. Fitou por um breve momento o mar ondulante de rostos desconhecidos e o estalar frenético de várias mãos. Agradeceu, em voz e alma, pela oportunidade de estar ali, aos poucos que confiaram em sua capacidade e principalmente ao Universo, que o guiara tão longe no caminho. Sossegou, certo de que poderia ir muito além, mas acometido pela doce sensação de ter vencido um grande obstáculo.

Desceu do palco para o mundo real. Deixou-se cair nos braços da família e do amigo de infância. Com eles, compartilhou sua alegria e esperança. Perdido estava em comemorar quando uma outra pessoa surgiu e correu para Alexander, enlaçando-o e tomando-lhe os lábios num beijo apaixonado.

Lorena, a namorada, uma mistura irresistível de divino e profano. Lorena despertava-lhe todas as necessidades da carne, mas nenhum anseio ao coração. Era linda! Ainda não se insinuara à moça porque receava não saber o que fazer na hora e estragar tudo. Os amigos diziam que a menina era experiente, que já estivera com vários garotos do colégio, e ele... Bem... Devia ser o único "homem" virgem de dezoito anos. Virgem aos dezoito. Revoltante!

Xeque-Mate: o amor não tem regrasOnde histórias criam vida. Descubra agora