Alexander Oliveira desligou o telefone de forma mecânica. Era a segunda vez que a recepcionista avisava que estavam todos no saguão, esperando. Respondeu que terminava de se arrumar, mas era desculpa. Estava inteiramente vestido, sentado na cama, há pelo menos trinta minutos, e não tinha ânimo para sair daquele quarto. O nervosismo quase o enlouquecia, a necessidade de desfecho o paralisava. Era a final do campeonato.
Correu a mão pelos pontos macios da camisa de lã azul que usava. Não era sua, e sim de Nicholas. Pegou emprestada quando fazia a mala, justamente para aquele momento, para dar "sorte". Precisaria de toda a sorte do mundo para vencer no estado de ânimo em que se encontrava. E Nicholas...
Ergueu o olhar para o espelho do banheiro. Na posição em que estava, a porta aberta, podia ver parte de seu próprio corpo refletida: as olheiras marcadas, o rosto pálido, os olhos tristes. Pensou no dia anterior, a semifinal, e no modo reservado com o qual haviam se falado. Passou boa parte do dia mergulhado na preparação e desenrolar de uma partida difícil, desgastante. Foi um excelente resultado, Navarre lhe dissera. Não concordava com o mestre porque, ao terminar vitorioso, mergulhou nos olhos cinzas que o miravam a distância. Não tomou qualquer iniciativa de aproximação, mas Nicholas não fez nenhum movimento que indicasse que continuariam a conversa.
Despediram-se no saguão, um clima de comemoração no ar por parte de Navarre e Humberto. Nicholas ficou um pouco em companhia de todos. Reconhecia o esforço dele em ser ao menos agradável, entretanto, logo se levantou e desejou boa-noite, sem nem ao menos erguer os olhos, e soube que dormiriam separados novamente.
Abandonou as lembranças e voltou à realidade. Estava atrasado. Esfregou o rosto com as mãos, como que para acordar, e vestiu o sobretudo de lã cinza. Quando se preparava para abrir a porta, o telefone tocou mais uma vez. Não atendeu. Saiu para o corredor.
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Humberto voltou para o salão um tanto nervoso; primeiro, pelo atraso do amigo; segundo, pelo clima de enterro no ambiente. Fitou Navarre com um sorriso, que foi retribuído no mesmo instante. Fitou Nicholas sentado no sofá, lendo calmamente o jornal da manhã. As coisas caminhavam de mal a pior.
Notando o incômodo do rapaz, Navarre buscou o alvo de seu olhar e deparou-se com a mesma visão: o filho sentado, a perna cruzada, lendo o jornal com toda a tranquilidade do mundo. Tranquilidade? Pois, sim! Conhecia-o muito bem e sabia exatamente o que o insistente bater de pé significava. Antevendo o curso natural dos acontecimentos, o velho enxadrista desviou o olhar para a direção dos elevadores, desejando que Alexander descesse. A verdade era que estava acostumado a competir nas mais diversas modalidades por quase todos os cantos do mundo. Manter o autocontrole e a clareza de raciocínio era mais que corriqueiro e estava tranquilo, mesmo sabendo que seu aprendiz entraria numa final dali a poucos minutos. Conseguira manter-se calmo e transmitir essa confiança a Alexander... até Nicholas chegar. Poucas coisas podiam tirar-lhe a concentração. O filho, com certeza, era uma delas.
Nicholas, por sua vez, virou mais uma página do jornal. Há muito não lia nada, só corria os olhos pela sucessão incoerente de linhas impressas. Vez ou outra, olhava discretamente o relógio de pulso, agoniado com a demora. Alexander não era a pessoa mais pontual do mundo, mas, quando o assunto em questão era o xadrez, nunca se atrasava. Por um instante, temeu que algo tivesse acontecido no curto espaço de tempo em que ficaram separados, desde a noite anterior.
Uma terrível tristeza tomou-o ao pensar nele. Lamentava não ter se aproximado dele no dia anterior, no quanto sofria por não poder dormir ao seu lado ‒ somente dormir ‒ para estar em paz. A tristeza somou-se ao receio de que ele não estivesse bem. Afinal, a que horas ele se recolheu? Voltou logo para o quarto ou ficou mais tempo por ali? Pensou em perguntar a Navarre ou Humberto, mas desistiu da ideia. Jamais deixaria Alexander exposto a nada ou ninguém! Mas a espera o estava irritando... demais.
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Xeque-Mate: o amor não tem regras
RomanceNicholas Fioux é um empresário de 27 anos, bem sucedido, indiferente, distante e amargo que abriu mão de todos os seus sonhos para ser o alicerce de sua família, mas que tinha tudo sob controle... até a vida lhe apresentar Alex. Alexander Oliveira é...