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Jimin aprendeu a ter medo antes mesmo de aprender a chamar pelos seus pais. E a primeira coisa que uma criança comum costuma aprender, a passagem quase palpável de um bebê irracional — que pode se assemelhar ao filho de qualquer bicho — para um bebê de humano, é o chamado racional pelos pais. Talvez Jimin nunca tivesse passado pela transição; pelo momento transcendental da água se transformando em vinho. E talvez fosse porque era realmente apenas isso que Deus tinha reservado a ele: ser um filho qualquer, de um bicho qualquer, e viver como tal.

Mas o medo não foi a primeira coisa que aprendera, apesar de tudo. Há uma sequência inimaginável de coisas que uma criança com a vida complicada pode absorver do mundo. Jimin, por exemplo, havia percebido que não podia falar alto já aos três anos, e que chorar era sinônimo de chorar ainda mais depois. Também havia aprendido que ficar parado ao dormir apenas enganava que diminuiria a dor, porque o dia seguinte costumava ser torturante, então era melhor mudar de posição de tempos em tempos para não maltratar os hematomas; isso, aos sete. Quando fez dez, aprendeu o que futuramente lhe pouparia algumas bofetadas na cara.

Aprendeu a contar. Várias coisas.

Quando seu pai tomava cinco copos de uísque, era melhor não abrir a boca — apenas se falassem com ele, então poderia responder sim, ou não, ou sinto muito. Quando tomava sete ou oito taças de vinho, Jimin podia até ficar sentado por perto. E se falassem com ele, era melhor apenas balançar a cabeça. Quando tomava mais de dez latas de cerveja, Jimin ia para o quarto — mas nunca trancado; se impedisse o pai de entrar caso desejasse, depois definitivamente acabaria pior, porque acredite, Jimin, sempre tem como piorar.

E ele também aprendeu a contar as dores. Quando saía para fazer amizade com homens, precisava sentir por volta de cinquenta e cinco dores até que eles o deixassem ir embora. Às vezes, o poupavam com no máximo quinze. Outras, o torturavam com mais de cem. Mas Jimin sempre contava, de olhos fechados, e esperava que, assim, diminuísse a aflição de não saber quando aquela sensação horrível pararia. O problema era quando seus pais o mandavam para fazer amizade com mulheres, porque nunca seguia um padrão. Então, Jimin contava os segundos. Milhares de segundos. Não sabia se ajudava tanto.

E apenas aprendeu a chamar pelos seus pais quando, ironicamente, eles morreram. Depois dos treze, em meio a crianças que não conhecia, que corriam para lá e para cá, enquanto ele sentava encolhido no canto mais distante possível de todos. Mãe! Mãe!, elas gritavam de vez em quando, e a madre Bongcha aparecia, sempre com uma expressão engraçada, normalmente com algum pano de prato limpando as mãos cobertas de farinha, e depois brigava com todo mundo por assustá-la daquela forma. Jimin testou apenas uma vez. Chamou por ela quando estava tomando banho sozinho no banheiro compartilhado do andar dos meninos, porque havia deixado espuma cair nos olhos e ficou assustado. Mãe!, berrou. E a porta abriu com um baque, e mãos firmes limparam seu rosto, e uma face enrugada apareceu em frente aos seus olhinhos inchados e vermelhos de ardência. Jimin chorou naquela noite, e nunca mais fez aquele teste novamente. Foi uma das piores coisas que aprendeu.

Mas naquele momento, quando em um piscar de olhos deixou de estar na lanchonete pequena e confortável com Jungkook e Taehyung, quis gritar. Quis chamar por alguém, porque nunca havia chamado por ninguém antes. Não de verdade. Quis berrar, se debater, livrar-se das mãos que seguravam seu corpo, porque os dedos o apertando assustavam feito o inferno. E pôde sentir a garganta arranhar, caroços espinhentos invisíveis rasgando as cordas vocais quando a voz explodiu para fora da boca; mas não soube por quem chamava. Não tinha ninguém.

Jimin sentiu gosto de sangue misturado em saliva quente. Foi o primeiro puxão de volta para a realidade depois de afundar na escuridão da inconsciência. O gosto metálico e doce do próprio sangue, que havia vomitado em algum momento no período de tempo em que tinha ficado desacordado, era ruim demais para conseguir engolir. Então, deixou o líquido espesso e grudento escorrer para fora da boca, sujando as laterais do rosto e o queixo. Quase se afogou, e a sensação foi o primeiro clique que incendiou seu corpo, fazendo-o retomar a sensibilidade dos músculos, dos ossos e dos órgãos.

PROTECTED • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora