[07] moonbow

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Quando tinha dezesseis anos, Park Jimin leu pela primeira vez sobre a gota chinesa.

Era um dos poucos dias chuvosos no verão de Busan, e mais uma das várias tardes em que o órfão se encontrava preso dentro da Biblioteca de Namgu, afogado em mais um dos diversos livros que adolescentes de dezesseis anos costumam não gostar de ler. Apenas mais uma das características que fazia Jimin se sentir tão diferente das outras pessoas da sua idade, já que, bom, adolescentes de dezesseis anos também costumam ter os pais — qualquer um deles.

Ser diferente nunca foi um problema real para o garoto, apesar de, às vezes, doer muito não ter uma família para poder encontrar no final do dia.

Mas ele ainda gostava muito da biblioteca pública e, por isso, continuava indo diariamente para o local distante demais do Lar da Mãe Bongcha, adorando passear por entre as estantes altas e navegar pelas lombadas dos livros antigos em busca de algo novo para ler. Seus preferidos eram os livros de História, porque, de alguma forma, conseguia encontrar um conforto inexplicável nos relatos de épocas tão distantes da atual; em relatos de épocas onde ainda não era vivo e existiam outras preocupações além daquelas que rondavam tanto sua cabeça. Por isso não gostava dos livros de fantasia e dos quadrinhos, talvez, como um adolescente qualquer: porque sabia que nada daquilo era real e jamais poderia se imaginar em mundos de contos de fadas; mas ainda podia se imaginar vivo há centenas de anos, em outro corpo, outro nome, outra vida.

Park Jimin gostava de acreditar em reencarnação, porque, assim, não se sentia totalmente perdido.

De qualquer forma, naquele dia em específico, o garoto lia sobre métodos de tortura antigos em um grande exemplar histórico que já não se lembrava mais do nome. Ele estava um pouco entediado lendo sobre torturas sangrentas, empalação, humilhações e agressões físicas; nada muito diferente do que poderia ser visto atualmente no lixo de humanidade onde vivia. Até que viu, pela primeira vez: a gota chinesa.

Dita como uma das torturas mais cruéis já criadas pelo humano, praticada, principalmente, nos países asiáticos. A técnica consistia em deixar o prisioneiro totalmente imóvel em uma cadeira por vários meses seguidos, com incessantes pingos de água caindo a cada segundo sobre a cabeça. Os relatos diziam que após vinte minutos, o som do gotejamento já começava a incomodar e, após uma semana, as pessoas podiam ouvir tambores dentro do cérebro e fortes enjoos.

Apesar de feridas dolorosas serem criadas no couro cabeludo dos prisioneiros, a crueldade da técnica se encontrava no fato de não ter como objetivo a dor, mas a loucura. A gota chinesa não é conhecida por ser um método doloroso, mas, sim, por levar as pessoas à absoluta insanidade.

E talvez aquela leitura tenha significado tanto para Jimin, porque naqueles dias, anos depois do ocorrido, ainda conseguia ouvi-las. As malditas gotas. O som enlouquecedor tão perto de sua cabeça, incessante, doloroso, infinito. Ele ainda conseguia se lembrar do cérebro totalmente concentrado em contar, uma após outra, como forma de se manter na realidade sem saber que estava, na verdade, indo à loucura.

Trinta e oito mil seiscentos e quarenta e sete.

Park Jimin conseguiu contar trinta e oito mil seiscentos e quarenta e sete gotas antes de ser encontrado com o cérebro pulsando dolorosamente dentro da cabeça.

E é essa dor que o assola quando começa a recuperar a consciência dentro do hospital.

O primeiro contato que seu cérebro tem com a realidade são os reflexos azuis e vermelhos das luzes atravessando as pálpebras fechadas. Os cílios parecem inexplicavelmente pesados, tornando impossível o ato de abrir os olhos, e quando move as órbitas secas demais pela escuridão pontilhada atrás das pálpebras, a dor de cabeça é excruciante. O latejamento parece tornar o crânio, de repente, estreito demais para abrigar o tamanho do encéfalo inchado, e o primeiro pensamento automático que Jimin tem antes de desmaiar novamente, ao sentir a pulsação dolorosamente aguda no cérebro acompanhando os sons de pingos que já não existem mais, é de um número.

PROTECTED • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora