Aquela noite

cap 4

O corpo do Tomás esticado na minha cozinha tomado por uma poça de sangue, era a imagem mais chocante da minha vida.
Eu me abaixei perto dele, e ver que aqueles cabelos pretinhos que eu amava estavam molhados de sangue, machucou meu coração. _Desculpa! Você era melhor do que eu com certeza.- Eu disse chorando.
Tomás sempre foi perfeito, mas não me conhecia de verdade. Não merecia morrer assim. Mas eu também não quis que fosse assim, ele estava no lugar errado, na hora errada e principalmente com a pessoa errada.
Vendo minha peninha do falecido, Vinicius pareceu compreender, afinal estávamos juntos a anos. E como sempre as lembranças mexem muito comigo. Eu dei um beijinho na testa do falecido e Vinicius fez uma cara de nojinho.
_Tá bom, tá bom... Vamos tirar isso do chão antes que chegue alguém.- Disse Vinicius me ajudando a levantar.
Com balde d'água, vassoura e o máximo de silêncio limpamos toda sujeira nos virando com o que tínhamos, sem sair do prédio. Meu cachorro lambia o sangue do chão, aquilo era nojento, então o tranquei no quarto.
O Tomás era bem alto e forte, sair dali com o corpo sem chamar atenção, seria uma tarefa, mas teríamos que dá um jeito de tirar ele dali. Colocamos ele dentro do box e com um serrote, Vinicius o cortou em vários pedaços, foi muito trabalhoso e ele suou bastante. Daria pra colocar em duas malas grandes que tenho, e assim fizemos. Eu desci do prédio e fui até a janela dos fundos, não tinha ninguém, eu sinalizei e Vinicius as jogou pela janela e desceu em seguida. Com o carro do Tomás, fomos até um terreno da família do Vinicius e colocamos fogo nas malas. Uma fogueira bem alta e bem chamativa, mas não tinha muita vegetação perto e era bem grande. Olhando fixa para o fogo, achei que veria a imagem do diabo, mas olhei para o lado e vi que ele não estava dentro do fogo e sim do meu lado. O fogo refletia no crucifixo do pescoço do Vinicius e aquilo me desconcertou um pouco. Meu cabelo preso num amarrado, e o suor escorria em meu rosto, eu estava um desastre, mas o Vinicius parecia me admirar e eu fingi que não notei.
O fogo queimou bastante, sobrou pouca coisa que pôde ser enterrado lá mesmo. Estávamos exaustos, o dia já iria amanhecer e não descansamos. Voltamos pra minha casa e o Vinicius pegou sua moto pra ir pra casa. Achei que me daria um beijo de despedida, mas acho que não faz o estilo dele, apenas me olhou, através do capacete, como quem diz "até mais", e partiu.
Minha casa vazia e o cachorro deitado onde o corpo do Tomás havia caído. Eu fui me deitar pra dormir e minha cabeça deu espaço a muitos pensamentos. O vazio da minha cama me fez pensar se o Vinicius estaria sempre ao meu lado igual o Tomás ficava. O fato de não ter ganhado um beijo de despedida, me fez refletir que muita coisa que pra mim é importante, pra ele não deve ser. Adormeci cheia de dúvidas.
Domingo 16hs da tarde eu acordei, minha mãe logo chegaria de viagem e eu ainda estava com o carro do Tomás na garagem. Matar é bom, Mas da muito trabalho. Me arrumei bem linda, com uma calça branca justa, um sobretudo Preto, meu melhor salto, e dirigi até uma zona tomada pelo craque. Me desci do carro com toda minha pose, deixando as chaves dentro e a porta entre aberta. Fui até um barzinho a metros dali e comprei um cigarro. Quando voltei, lógico, o carro já havia sido roubado. Então fui caminhando a pé até acabar o cigarro e pegar um táxi.
Chegando em casa, minha mãe já estava lá. Me sentei ainda com a cabeça um pouco distante e minha mãe falava sem parar de como foi o final de semana dela e o quanto ela ficou chocada com a notícia da morte da Clara. "Ainda bem que você não foi a essa festa" disse ela. _Onde está o Tomás?- Perguntou minha mãe.
Um flashback se passou na minha cabeça, mas respondi "Eu não sei". _Ele não estava aqui com você?- Perguntou minha mãe.
_A gente terminou, ontem. Ele estava dirigindo muito alterado, gritou comigo, me deixou em casa sozinha e foi embora. - Disse eu como se estivesse indignada. Minha mãe ficou chocada, mas achou que ele estivesse com algum problema, aquilo era incomum demais.
Nas redes sociais muita gente fazendo homenagens a Clara e pra minha surpresa, já tinha um principal suspeito. Lucas; Um outro menino da turma. Pelo que sei ele se matou naquela noite com um tiro na cabeça. Ao que indica que ele matou a Clara e se matou. Dá até uma trágica história de amor para amadores. Achei muito engraçado essa coincidência, o vento está soprando a nosso favor. Mas me atormentava pensar até quando estaríamos ilesos.
Vinicius não me procurou em nenhum momento naquele domingo, isso estava me deixando preocupada, me senti um pouco sozinha, visto que eu só tinha o Tomás.
Deitei me sem comer nada o dia todo, e pra mim o dia acabaria ali.
Meu celular tocou, era mensagem do Vinicius: "Olha aí na janela". Eu olhei e la estava ele em sua moto, fez um gesto com a cabeça me chamando. Fui ao encontro dele e ele me levou a um lugar bem afastado da cidade.
Era um sítio enorme, com muitas plantações e animais.
Ele me disse que ali mora o seu pai, pessoa com quem aprendeu quase tudo que sabe. Não entramos na casa, apenas passeamos ao redor do sítio.
_Aqui é o verdadeiro paraíso, tenho muitas boas lembranças da infância. Aqui não precisa de todo aquele trabalho pra se desfazer de um morto. Os animais dão conta disso. (Risos) - Disse o Vinicius.
_Porque você não disse antes? Podíamos ter trazido o Tomás pra cá. - Disse eu, lembrando do trabalho que tivemos.
_Foi bom ter trabalhado um pouquinho. É bom colocar a mão na massa, deixa mais interessante. - Disse o Vinicius.
De fato eu concordo, ter que sumir com o corpo do Tomás, foi a coisa mais interessante que já fiz na vida.
Fiquei curiosa para conhecer o pai dele, mas acredito que ele estava nos observando de algum jeito. Meu sexto sentido diz isso. Não seriam os espíritos dos assassinados.
Estava ficando tarde e o Vinicius achou melhor irmos embora.

Chegando em casa, ele me deu um beijo de despedida, o que mais uma vez estranhei. Já que isso não fazia parte dele.
Deitei me pensando satisfeita no quanto agora seria mais fácil se desfazer de alguém.
O amor que eu sentia pelo Vinicius queimava em meu peito, ainda que pecado, eu era grata a Deus por ter conhecido aquele assassino.