Capítulo 29

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DINA

― Está me irritando.

Paro de andar para encarar o rosto contorcido de Spike direcionado para o livro em suas mãos, mas eu sei que o incômodo ali direciona-se para mim. Spike normalmente finge ignorar o mundo, mas ele está deitado em nosso sofá a umas boas horas olhando para a mesma página do livro, pois não o vi mover uma folha amarelada sequer.

Meu amigo repousa o livro no colo e me devolve o olhar, passando a mão por seu moicano verde cujos fios hoje estão sem o gel que os mantém em pé.

Me jogo contra a poltrona marrom e feiosa que compramos em um brechó e encaro meu amigo.

― Você poderia falar com Elsie pra mim. ― peço cruzando os braços. ― Ela vai te ouvir.

Spike se limita a soltar uma risada nasalada.

Ele fecha seu livro e o joga do outro lado do sofá.

― Elsie não vai me ouvir, Dina.

― Por que não?

― Porque ela é sua irmã e eu nunca conheci uma família tão teimosa em toda minha vida.

Entorto a boca em desagrado.

― Isso não é verdade. ― resmungo encarando o teto. ― Kiki não é nada teimosa.

― Kiki ainda não teve tempo de ser teimosa. ― rebate cruzando os braços também. ― Do jeito que aquela garota é mimada não precisa nem usar a teimosia.

― Você está falante hoje, principalmente com o intuito de me criticar.

― Não estou te criticando. ― diz piscando algumas vezes para mim. ― Fiquei preocupado com isso desse cara estar te seguindo e concordo com Elsie, sua família poderia, no mínimo, ficar sabendo.

― Mas a Julie...

― Dina, por Deus, você já fez a cagada, não pode usar a desculpa de Julie para sempre, seus irmãos não esperam que você acerte as coisas. ― Spike respira fundo antes de prosseguir. ― Sua família vai te apoiar, independente de qualquer coisa.

Volto meus olhos para o rosto inexpressivo de Spike, entendendo o que ele quer dizer. A mãe de Spike era a única família que ele tinha e mesmo assim se tratava de uma megera, se o pai dele não tivesse deixado um testamento dizendo o quanto ele poderia herdar das posses da família, possivelmente sua mãe o obrigaria a morar com ela até hoje.

Era uma mulher preconceituosa, narcisista e cheia de rancor, não aceitava Spike de forma nenhuma e tentou boicotar todas as tentativas do filho de sair de casa.

Meu pai não me queria fora de casa, mas também nunca fez nada para me impedir de fazê-lo, nem Sara, mesmo ela tendo praguejado um pouco sobre eu botar fogo na casa na primeira semana fora.

Não que não houvesse acontecido, mas minha irmã não precisava saber.

― Acho que você tem razão. ― concordo por fim. ― Minha família uma hora ou outra vai acabar entendendo.

― Sim, e mais... duvido que Elsie conte que ele andou te seguindo, ela te protege, só está preocupada, não pegue tão pesado assim com a sua irmã.

Abro um sorriso malicioso.

― Você ainda tem uma quedinha por ela, não é mesmo?

As bochechas de Spike enrubescem, e ele me joga uma almofada tentando abafar o constrangimento.

Solto uma risada alta, mas fico feliz de pelo menos viver sobre o mesmo teto que alguém sensato.

**

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