Capítulo 1

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Um espasmo muscular causado por um pesadelo acordou Taís que se sentou instantaneamente, escorando o corpo com as mãos em cima dos travesseiros, viradas para trás. Seu peito balançou algumas vezes por causa da respiração ofegante, mas logo retornou ao normal. Pelo silêncio e escuridão que dominavam seu quarto, deduziu ainda estar de madrugada.

Ainda com o corpo pesado devido ao sono, ela se arrastou até a beirada da cama e se sentou. Em seguida, esfregou os olhos por um momento até sua visão retornar sem mais nenhuma parte embaçada. Sua cama ficava ao lado da cômoda sob a qual estava seu relógio, Taís afastou os cabelos longos e escuros da frente do rosto e fitou os ponteiros.

03:30.

Por alguns segundos, por causa de uma pequena abertura entre as nuvens, a luz da lua acabou por proporcionar um reflexo da pele morena de seu rosto no vidro do aparelho. A parte logo abaixo do olho era refletida, Taís encarou a cena por um breve momento se perdendo nos pensamento sobre as sardas abaixo do olho.

Ela piscou e então se levantou bruscamente indo para o outro lado da cama, uma sombra atravessou por trás de sua cabeça a assustando. Seus olhos correram o espaço a procura do que seria aquilo. Avistou uma das janelas do quarto entreaberta, mais ou menos três dedos de abertura. Sua respiração se acelerou com a possibilidade de alguém ter entrado, se tivesse, com certeza não iria reparar em nada pois seu sono é bastante pesado. Taís se virou, seu coração começou a acelerar e ela se afastou em direção a parede encostando as mãos na áspera camada de cal branco. Foi quando correu em direção à porta, suas mãos tatearam a parede, seus dedos procuravam o bocal e uma sombra de algo se refletia acima de sua cabeça por causa da luz natural. Um clique. O desespero enfim cessou.

O cômodo se iluminou derrepente, ela voltou a respirar aliviada e então caminhou lentamente até a mesa ao lado da cama para pegar sua blusa de frio. Quando se inclinava para trás depois de ter feito o mesmo para frete para pegar o objeto, ela girou para tirar o joelho de apoio de cima da cama e então o vulto negro alcançou suas vistas e no desespero ela se jogou no chão ao lado da cama com rapidez sem saber o que esperar a seguir.

Taís emfim encarou a razão de seu susto e só então seus nervos conseguiram voltar ao normal. Era apenas uma borboleta. Grande, e escura. Mas só uma borboleta.

Passados alguns segundos respirando fundo, ela se levantou e foi até a janela a fechando por completo, mas não antes de algo chamar sua atenção. Não soube ao certo o que era, mas decidiu que estava tonta pela corrida e cansada pelo sono para garantir qualquer coisa. Sua boca estava seca, resultado do susto tomado. Ela pigarreou por um instante e, levando uma mecha de cabelo para trás da orelha, procurou sua sandália, a calçou e seguiu para a cozinha indo buscar um copo de água.

Apesar da pensão ser pequena, limpar aquilo não era tarefa fácil. Taís havia feito isso durante o dia inteiro. Começou pelos cinco quartos do andar de cima do lado direito. Depois o corredor e a escada.

A pior parte.

Depois o saguão, repleto de mesas, dois sofás e o carpete o qual sua mãe tanto gostava. Depois vinham o corredor de entrada, a cozinha e o balcão que era a parte mais fácil. Taís se recusava a limpar o quartinho dos fundos já que ele era usado como depósito.

Em seguida vinha o segundo lance de escadas.

Essa levava até seu quarto e o de sua mãe que também ficavam no segundo andar, mas no lado esquerdo. Eles cobriam a parede esquerda até perto do corredor. Os quartos dos hóspedes no entanto cobriam na parte de cima o que corresponderia a toda a área do saguão. O corredor de entrada leva diretamente ao balcão que fica em frente a cozinha e quase que ao lado do quartinho dos fundos. O piso do saguão é um nível mais baixo, se destacando ao se entrar na pensão.

As sandálias de Taís produziam um barulho estalado ao se encontrar com a cerâmica branca do chão, agora já desgastada e cheia de listras beges, arranhões produzidos pelo atrito com a areia que é trazida para dentro através dos calçados. Mas esse não era o único som emitido no momento, não se contasse os que vinham do lado de fora.

Uma gama de barulhos eram ouvidos no meio da mata durante a madrugada. Barulhos esses que todos atribuíam aos "monstros da floresta". Quando criança ela escutou várias dessas histórias, principalmente de seu padrasto Inácio. Às vezes ele pedia para que ela fizesse alguma coisa ou mandava ela parar de chorar porque estava incomodando, e quando ela se negava, ele dizia que durante a anoite os monstros da floresta viriam buscá-la no seu quarto. Então, por medo, ela acabava acatando suas ordens de imediato.

Mas com o passar do tempo elas acabaram se tornando apenas histórias fictícias mesmo. E os sons, que antes pareciam ser uivos e coisas parecidas, sinais de que "eles" estavam famintos a procura de comida – que no caso seriam as crianças – agora eram apenas os sons compassados produzidos pelas aves noturnas e sapos do brejo. E quando Inácio percebeu que esse tipo de coisa não funcionaria mais, eles acabaram por se distanciar. Já que ela estava crescendo e os surtos de pirraça passaram a não existir, junto a isso passou também a não existir motivos para que conversassem. Uma vez que eles não eram pai e filha, Taís sempre imaginou que ele não se aproximava porque iria se lembrar que a mãe dela teve outro ou coisa do tipo, sendo assim eles não se falaram muito desde então. Trocam algumas palavras, mas não são amigos, porém da parte dela não há nada contra ele.

Desde que ele não perturbe mais sua mãe, e que não interfira no seu namoro com André, pra ela tudo bem.

Apesar da inocência ter acabado, vez ou outra Taís se pegava pensando na criatividade dos mais antigos em escutar esses barulhos vindo do mato e a partir disso criar toda uma história por trás para usá-la como arma, nesse caso para a assegurar a obediência das crianças. Elas sempre eram ameaçadas de serem "jogadas aos bichos" caso fizessem pirraça, e a ameaça sempre funcionava.

Porém, não foram esses barulhos que aterrorizaram Taís ao ponto de soltar um grito de desespero que alcançou até o segundo andar, acordando todos independente se tinham um sono leve ou não. Suas mãos estava na frente do rosto e a pele de seu rosto se apresentava pálida. Os olhos arderam com a lágrimas já aparecendo, naquele momento não seria capaz de formular uma palavra sequer. Assim que ela acendeu a luz no bocal ao lado da escada, ela viu. A imagem era horrível, pior do que qualquer cena de filme de terror que já tenha visto. Porque aquela cena não era confeccionada, não era montada, Inácio não era um ator e o líquido avermelhado que se espalhava por toda sua camisa e pelo carpete não era tinha vermelha. Era real. Aquilo era real, mas ela queria acreditar que não fosse.

Inácio estava deitado de barriga para cima, seus braços estendidos ao lado do corpo, suas mão cobertas de sangue, o carpete estava manchado de um vermelho escuro.

Taís paralisou, não se movia, não falava, quase não respirava direito e estava estática. Parecia ter sido petrificada, não desgrudava os olhos da cena. Nem mesmo os vários passos apressados ecoando pelas escadas foram capaz de tirá-la de seu estado de choque que só teve fim quando André apareceu assustado no cômodo já ocupado pelos outros clientes da pensão e se enfiou na frente de Taís.

Ao tampar sua visão, ele segurou seu rosto e o encostou em seu peito a permitindo voltar a respirar normalmente e chorar o quanto podia.

Sangue No CarpeteOnde histórias criam vida. Descubra agora