Os hóspedes se reuniram automaticamente no saguão logo após a voz de Taís ecoar por todo o lugar. Santos desceu na frente, sendo seguido por Lucas, Suly e então os irmãos Lima.
Inácio estava jogado no chão de barriga para cima com a camisa e o carpete embaixo de si manchados pelo sangue que já começava a secar.
- Meu Deus... – Suly balbuciou em choque. Santos a olhou por um momento, em seguida desviou o olhar para Lucas que fazia uma expressão que aparentava nojo ou desprezo.
- Uhg – ele grunhiu. – Esse lugar só piora.
- Não diga isso, olha a situação em que estamos – Suly o repreendeu.
Ele a ignorou.
- Primeiro o péssimo atendimento, depois aqueles míseros quartos e agora isso para completar a noite – ele continuou pousando as mãos na cintura.
- Um pouco mais de respeito – Suly desviou o olhar do corpo caído para o homem. – Aquela pessoa era importante para alguém. Se você não se importa, pelo menos finja, ou fique em silêncio.
Ele não respondeu. Quem essa mulher acha que é para falar comigo assim?, pensou. Ele queria dizer algo mas não encontrou a forma correta de começar, então acabou por não falar nada.
Dulce se desesperou assim que viu a cena. Suas pernas bambearam e suas mãos trêmulas na altura da boca indicavam que ela não acreditava no que estava vendo. Sua voz não saía, por um momento ficou de pé sem fazer nenhum movimento.
Inácio. Não, não pode ser...
Santos reparou nos presentes. Taís ainda soluçava com a cara enterrada no peito do namorado. Ele não derramava lágrimas, mas sua expressão não era das mais tranquilas. Dulce estava claramente em choque e Suly compartilhava do desespero da cena. Lucas estava visivelmente irritado com o acontecido, não por alguém ter assassinado aquele homem e um criminoso estar no meio deles, mas sim por ter sido acordado no meio da noite e ter seu sono perturbado. Já os irmãos Lima eram reservados, pelo menos Bento era assim. Ele estava impassível, sem reação para um lado nem para o outro. Bernardo porém esboçava um pequeno sorriso no rosto que se desfez e se transformou em uma expressão ameaçadora assim que ele percebeu Santos o encarando.
Santos ponderou a situação. Até aquele momento ele sabia quem eram os irmãos Lima, mas se eles haviam o reconhecido, isso era um mistério. Poderia ser sua carta na manga contra os dois, e ele já tinha uma certa garantia. Um alívio momentâneo surgiu ao se lembrar da ligação que fez antes de dormir para um amigo da polícia pedindo reforço. O problema é que já deveriam ter chegado àquela hora, e como isso não aconteceu ele supôs que a culpa provavelmente seria da enorme tempestade que insistia em cair sem cessar.
Os irmãos Lima eram conhecidos de todas as delegacias, além de parcialmente também serem reconhecidos pelo público já que certos crimes seus tiveram tanto impacto que acabaram por serem noticiados na TV.
Caso Santos precisasse usar força bruta para detê-los, em último caso é claro, além dele ainda estavam Lucas e André presentes no local o que talvez pudesse dar uma vantagem na luta corporal. Mas caso eles estivessem com armas, que era o provável de acontecer, Santos seria o único que conseguiria revidar os disparos. Merda. Talvez Lucas e André tivessem uma arma também, mas essa era apenas uma possibilidade, bem distante ele diria. E de mais a mais, alguns dos outros hóspedes poderia acabar morto ou ferido por uma bala perdida.
Santos passou a mão pela cabeça, a posicionando na cintura na sequência. Não era viável confrontar nenhum deles. Não era viável se afastar demais, nem se afastar de menos. Se eles percebessem algo ameaçador poderiam acabar fazendo algum refém, ou até o matando naquele mesmo lugar assim que ficassem sabendo que ele era policial.
Santos percebeu Dulce se movimentar e se aproximar do corpo já sem vida.
Se ele iria fazer algo precisava ser agora, antes que ela tocasse no corpo e eliminasse alguma possível evidência. Seus olhos desviaram lentamente para os irmãos Lima uma última vez. Ele tomou uma decisão.
Só espero que eles sejam estúpidos quando o assunto não for negócios. Ou isso pode terminar mal.
As lágrimas que desciam dos olhos de Dulce escorregavam pelas bochechas e atingiam o sangue que manchava o carpete abaixo de Inácio. Seu coração estava acelerado e seus pensamentos confusos demais para raciocinar algo relevante. Deveria chamar uma ambulância? Não dava mais tempo. Mas será mesmo? Talvez o corte não fosse tão profundo. Não, não era. Talvez ele ainda estivesse minimamente vivo? Não, ele não estava. Seu choro ecoou pelo salão assombrando a todos que fossem um tanto sensíveis a situações assim.
Suas mãos lentamente deixaram de tampar a boca e desceram em direção aos já falhos e grisalhos fios de cabelo de Inácio, entretanto, antes que os tocasse, uma mão mais grossa, masculina, segurou seus pulsos de forma delicada impedindo-a de tocá-lo e a puxando para cima em seguida. Dulce acompanhou automaticamente o gesto, mas caminhou alguns passos para trás lançando um olhar de dúvida e até acusador em direção à figura que tinha a ajudado.
- Me desculpe senhora. Mas, não pode tocar no corpo – ele disse, a serenidade e autoridade em sua voz era algo que ela não compreendia no momento.
- Como não?! É meu ex-esposo quem está caído ali! Não me diga o que fazer – disparou.
Ela tentou caminhar de volta ao corpo, o homem porém entrou em sua frente.
- Em peço que por favor a senhora não o toque – ele continuou, mas com um tom leve, sem ser rude.
- Por que não? – ela perguntou secando uma lágrima que caía pelo olho direito.
- Pode haver pistas que podem ser alteradas ou se perderem caso haja alguma interferência.
- Eu não pretendia mudar o corpo de lugar, só estava querendo tocar os cabelos dele. Não é nada de demais.
Os outros assistiam a discussão curiosos.
- Para um especialista, infelizmente é. Quanto mais intocado a cena permanecer, melhor.
- E o que eu faço até esse "especialista" chegar aqui? Inácio vai ficar jogado aqui como um móvel que faz parte da decoração? Não posso ao menos tampar o corpo? Quanto tempo você acha que vai demorar para alguém chegar aqui com essa chuva?
- Sinto muito mas é recomendável que não se mexa na cena. Mas não se desespere. Meu nome é David – ele apontou para si mesmo. – Sou detetive da polícia e vou ajudá-la com isso.
Santos decidiu usar o primeiro nome uma vez que seu sobrenome era conhecido e pronunciá-lo ali seria um erro. Sob nenhuma circunstância ele deveria dizer seu sobrenome naquele lugar pois era bastante conhecido, uma menção a ele e provavelmente, se os irmãos Lima ainda não tivessem percebido, com certeza acabariam o reconhecendo e a partir daí as coisas poderiam piorar bastante.
A partir do momento em que disse, ele passou a torcer para que André ficasse quieto e não mencionasse nada a seu respeito, nem mesmo um elogio ou uma frase como “Não se preocupe dona Dulce, o detetive Santos é muito bom no que faz...”, porque se não sua tentativa de se passar por um detetive qualquer acabaria em um segundo e todos ali estariam ainda mais ameaçados.
Dulce o olhou curiosa, um pouco de esperança surgiu, mas de forma contida.
– Vamos achar o culpado – ele falou. – Vamos comunicar as autoridades e tudo se resolverá – Dulce assentiu balançando a cabeça. – Agora sente-se aqui – Santos a guiou até uma cadeira ao lado do corpo. – Eu preciso de espaço.
André, Taís e os hóspedes estavam distantes observando tudo, alguns assustados com o que havia acontecido, outros nem tanto. Santos havia se tornado o centro das atenções, ele acomodou Dulce em uma cadeira e se preparou para o trabalho.
Despejado no meio da sala o corpo de Inácio era admirado por olhares curiosos. Taís havia melhorado do choque mas ainda estava mal, Dulce chorava toda vez que encarava o morto. Do lado de fora a chuva continuava, parecia não ter fim. Santos suspirou por um momento ainda de pé.
Parece que vou ter que adiar o começo das minhas férias em um dia...
E então se agachou ao lado do morto e começou a examinar a cena.
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Sangue No Carpete
RandomEm uma noite qualquer, Taís acorda para beber um copo d'água e desce para o andar de baixo da pensão de sua mãe. Ao chegar no saguão, o que ela vê a deixa assustada, em choque, paralisada no lugar. Ela grita, e passos são ouvidos. Todos os hóspedes...