- Isso está uma bagunça – Lucas falou ao se sentar de frente para Santos.
Ainda estava vermelha a parte do seu queixo que foi acertada, e o lábio debaixo estava visivelmente inchado.
- É. Uma grande bagunça. Vamos começar então.
Lucas se remexeu na cadeira e se acomodou.
- Lucas Troduster, certo? – o outro assentiu sem responder. – Relate para mim tudo o que você se lembra desde que chegou até o horário em que foi se deitar.
- Ok... eu estava quase parando na beirada da estrada para dormir dentro do carro por causa da chuva, foi quando vi essa pensão. Eu entrei e pedi o melhor quarto do lugar, mas a atendente me ofereceu um outro qualquer e queria que eu aceitasse de bom grado – ele falava, gesticulando com as mãos. – Eu solicitei o melhor que ela tivesse, mas ela se recusou a fazer isso. E nesse momento, enquanto conversávamos, essa criatura apareceu por trás com um bafo insuportável de cerveja me importunando.
- Não estava discutindo com a atendente?
- Não. Aquela era uma conversa normal.
- Ata. Enfim, continue.
- Aquele homem continuou me perturbando, nós trocamos algumas palavras e ele do nada me deu um soco no rosto.
- Ah, foi do nada?
- Sim.
- Certeza? Não disse nada que pudesse deixá-lo naquele estado?
- Agora a culpa é minha? – ele levantou a voz. – Eu levo um soco no rosto e a culpa é minha?
- Não foi o que eu disse.
- Mas é o que você deu a entender.
- Isso já é interpretação sua, mas para você ter levado um soco desse jeito você deve ter dito algo que ele não gostou, estou certo?
Lucas se manteve em silêncio e desviou o olhar para o chão, então retornou a encara-lo.
- Acho que ele acabou não gostando de ouvir a verdade – disse ríspido por fim. – Agora posso continuar com meu relato?
- É claro.
- Ok... Depois eu fui para o andar de cima, procurei meu quarto e fui me deitar. Um pouco mais tarde eu me levantei para ir até a cozinha buscar um copo d'água, foi quando eu vi... – ele fez uma pausa que Santos não entendeu o motivo.
- O que você viu?
Lucas aproximou o rosto um pouco mais para perto de Santos, o volume de sua voz diminuiu.
- O garoto. Ele estava discutindo sério com o velho, cheguei bem na hora de presenciar a cena. A situação estava feia. Não quero acusar ninguém não mas...
Santos ponderou por um momento.
- Então está insinuando que ele é o assassino? – perguntou.
- Você não me ouviu dizer isso – um sorriso presunçoso despontou em seu rosto. Santos o analisou em silêncio.
- Mais alguma coisa?
- Não.
- Certeza?
- Sim.
- Sei.... Agora, – Santos olhou para a tela do celular e levantou os olhos para o outro em seguida – o que você quis dizer com as frases “Você vai pagar por isso” e “...seu último erro seu velho idiota”? – A expressão no rosto do outro não mudou para a surpresa como Santos esperava. – Suponho que você tenha pensado em uma maneira de faze-lo pagar pelo soco não é mesmo? – o olhar de Santos desviou para o corpo e o outro seguiu na mesma direção.
- Não é o que está pensando – ele se apressou em dizer. – Está desconfiando de mim?
- Estou desconfiando de todos – rebateu Santos. – E então?
- Eu sou advogado, e ele me agrediu propositalmente. Uma denúncia e algumas conversas e ele iria passar pelo menos um ano aprendendo o que acontece quando se agride uma pessoa de bem como eu.
- Para ter toda essa influência, então você deve ser um advogado muito importante.
- Quase lá.
- Modéstia? – Santos deu uma risada incrédula. – Depois de toda essa presunção?
O outro enfureceu-se com a acusação, seu rosto se fechou no mesmo momento.
- Terminamos!? – ele perguntou, denunciando sua impaciência.
- Ainda não. Mais uma coisa: ao ver a briga, o que você fez?
- Voltei para cima, é claro. Não iria ficar aqui embaixo enquanto eles rolavam pelo chão se estapeando.
- Então a coisa ficou séria?
- Não sei. Deve ter ficado, pelo jeito que eles estavam.
- Então você não viu o final?
- Não.
- Certo. Mais alguma coisa que você ache importante dizer?
- Acho que não.
- Qualquer informação serve.
Lucas ficou pensativo.
- Acho que ouvi uma porta se abrindo depois de eu voltar para meu quarto e me deitar... essas portas velhas e caindo aos pedaços, cheias de ferrugem – ele suspirou de impaciência ao se lembrar. – Tenho um sono leve e um trovão me acordou – foi o que ele disse.
Mas a verdade é que desde que as coisas começaram a dar errado com seu patrão ele passou a ficar alerta o tempo todo, tanto que além de trancar todas as portas e janelas de sua antiga casa, ainda acordava várias vezes durante a noite assustado com quase qualquer barulho que surgisse na madrugada.
- Esse barulho foi logo em seguida?
- Não. Demorou um pouco.
- Está certo de que era uma porta se abrindo.
- Óbvio que não. Você não está ouvindo o qual alto é o barulho da chuva?! Me pareceu ser um desses um desses pedaços de madeira aqui que eles chamam portas, mas poderia ser qualquer coisa.
Santos digitou mais um pouco e então se virou para ele.
- Qual o número do seu quarto?
- Número um.
- Uma última coisa: o que um advogado do seu nível veio fazer em uma região simples como essa?
Lucas travou por um momento, seus músculos ficaram tensos e sua cara se fechou. Sua boca se moveu para dizer “férias” mas mudou de ideia um segundo antes.
- Negócios – respondeu.
Santos não disse nada e o fitou por longos segundos.
- Ok... Agora terminamos. Você já pode ir. Chame a dona da pensão para mim.
Ele se levantou sem perder tempo. A cadeira foi empurrada sem cerimônia e seus passos mais pareciam os passos de um monstro sobre o piso.
Ao chegar na cozinha ele se encostou no tanque e avisou Dulce para que fosse na sequência. Suly estava ao seu lado e ele inclinou um pouco o corpo na direção dela.
- Não confio naquele cara – sussurrou olhando para André. Ela seguiu seu olhar atenta. – Vi ele brigando com o velho antes de dormir.
- Era sério? – perguntou se virando levemente na direção dele. Lucas voltou o corpo para o lugar de antes e eles ficaram de frente um para o outro.
- Ele estava ameaçando o velho com um canivete.
- Acha que foi ele?
- Não duvido – respondeu. Ambos analisaram de soslaio o rapaz que ainda abraçava fortemente a namorada.
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Sangue No Carpete
RandomEm uma noite qualquer, Taís acorda para beber um copo d'água e desce para o andar de baixo da pensão de sua mãe. Ao chegar no saguão, o que ela vê a deixa assustada, em choque, paralisada no lugar. Ela grita, e passos são ouvidos. Todos os hóspedes...