Capítulo 1 - Lembranças.

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Elizabeth

Acordei sobressaltada. Passei a mão na testa enquanto minha respiração voltava ao normal. Mais um pesadelo de quando eu era criança. Calma, Betty. Foi só um sonho ruim. Já passou. Inspirei e expirei, contando até dez. Esperando as batidas de meu coração desacelerarem.

Droga! Fazia anos que não sonhava com isso. Por que agora?

Escovei meu cabelo com os dedos e voltei a deitar. Mas a dor no meu peito não deixava esquecer o sonho. Segurei a vontade de chorar. Sempre ficava com o emocional abalado depois desses pesadelos. Eles me faziam lembrar fragmentos do meu passado, da minha história.

Minha mãe trabalhava como empregada na casa de Gladys e FP Jones quando eu nasci. Meu pai era caminhoneiro e vivia viajando. Por esse motivo, eles decidiram que o melhor era que continuássemos a morar na mansão da família Jones, onde eu cresci e vivi os melhores e piores momentos da minha vida.

Nada do que aconteceu naquela época fazia muito sentido para mim. As lembranças eram confusas e desagradáveis. Lembrava vagamente da minha mãe chorando desesperadamente, enquanto eu observava tudo detrás da porta do quarto que dividíamos. Ela parecia perdida. Assim que me viu, estendeu a mão na minha direção e pediu que me aproximasse. Alisou meus longos cabelos loiros e me fitou com seus lindos olhos verdes, que agora se encontravam vazios e sem vida.

— Betty, preste atenção no que a mamãe vai lhe dizer — falou séria, a voz rouca por causa do choro, a encarei atenta.

— Nunca deixe um homem chegar perto de você. Está ouvindo? — exigiu segurando firmemente meus braços. Mesmo não entendendo o que quis dizer, eu assenti concordando. Logo depois ela me abraçou apertado.

Depois daquele dia minha mãe nunca mais foi a mesma. A mulher alegre e divertida tinha morrido. Parecia apenas um corpo vagando pela casa e fazendo os serviços de forma automática.

Até que um dia ela saiu e não voltou.

Foi a senhora Jones que deu a notícia da sua morte. Na época foi só isso que me disseram. Acho que a verdade seria demais para uma criança de apenas quatro anos. Somente quando perceberam que estava pronta, a senhora e o senhor Jones me contaram o que realmente tinha acontecido. Minha mãe havia morrido depois de se jogar de um viaduto. Ela se suicidou.

Naquela noite, chorei no colo da senhora Jones até cair no sono. Não foi fácil saber a verdade, mas agradecia
imensamente por eles terem sido sinceros comigo.

No dia seguinte, esclareceram todas as minhas dúvidas. Inclusive o que havia acontecido com meu pai. Se é que aquele verme merecia ser chamado assim.

Logo após o enterro da minha mãe, ele procurou a família Jones e propôs um negócio. Como meu pai e sua nova mulher não queriam cuidar de mim, ele resolveu me "vender" para Gladys e FP. Ambos ficaram indignados com a proposta, mas pensando no meu bem aceitaram a oferta e pagaram a ele uma quantia considerável. Hal, meu pai, morreu alguns anos depois em decorrência de um ataque cardíaco. Eu nem cheguei a conhecê-lo, e embora eu devesse agradecer por isso, doía saber que eu estava sozinha no mundo.

Mesmo tendo todo o suporte e carinho dos Jones, que me adotaram e me tratavam como uma filha, eu nunca me senti parte da família. Principalmente pelo modo que era tratada por Jughead, filho único de Gladys e FP. Ele fazia questão de me lembrar a todo o instante, que eu era uma intrusa. Alguém que não fazia parte daquele mundo e da sua família perfeita.

Abri a gaveta do meu criado mudo e retirei de lá a carta que os Jones me entregaram quando contaram toda a verdade, aos meus doze anos. Era a única lembrança que tinha da minha mãe.

"Betty,
sinto muito por não ter sido a mãe que você merecia. Espero que algum dia possa me perdoar, mas eu simplesmente não pude suportar a dor de viver sem seu pai. Entreguei minha vida e todo o meu amor àquele homem e tudo o que ele fez foi pisar e matar tudo o que eu sentia por ele. Por isso, minha filha. Ouça sua mãe. Nunca entregue seu coração a ninguém. Não existe homem que vá dar o devido valor a você. Não se apaixone. Não deixe se levar por palavras bonitas e um jeito encantador. Isso tudo vai acabar quando ele enjoar de você e te abandonar.


Adeus minha Betty e nunca se esqueça do meu conselho.
Com amor, sua mãe, Alice Cooper"

Engoli em seco ao ler novamente suas palavras. Eu sabia que ela estava certa, só que o que eu sentia era mais forte do que tudo. Até mesmo que minha razão e meu bom senso. Era tarde demais. Eu já havia entregado meu coração à alguém. E assim como minha mãe havia previsto, tudo o que isso me traria seria sofrimento e dor.

Última Chance - BugheadOnde histórias criam vida. Descubra agora