Mathias nunca foi do tipo que começa uma conversa, mas quando viu Ícaro, foi impossível não tentar se aproximar. Só havia um problema: Ícaro era surdo e Mathias não sabia Libras. Mas, nenhum dos dois estava disposto a deixar isso ser uma barreira en...
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Mordi os lábios, grifando frases-chaves do livro de história e anotando as palavras e datas mais importantes em post-its. Ajustei meus óculos enquanto lia.
Não precisava de óculos, mas quando estudava em casa gostava de usar. Não tinham grau, era apenas enfeite. Mas, me sentia mais focado com eles. Coloquei meu colar de sodalitas e âmbares para dentro da camisa. Tinha quem acreditasse que aquelas pedras ajudavam a melhorar o intelecto. Eu não sou uma pessoa de acreditar em coisas místicas, mas acredito em placebos.
Então, acreditar que ajudava fazia ajudar mesmo se no fim das contas aquelas pedrinhas não fizessem nada. Por isso, eu usava, acreditava e torcia para que desse mesmo certo.
Pulei de susto ao ouvir meu celular tocar e o coloquei no silencioso imediatamente enquanto atendia a chamada de vídeo.
— Alexia? – uni as sobrancelhas, confuso. — Você tá bem?
Na pequena tela, Alexia andava de um lado para o outro, nervosa. Usava um pijama do Superman e soltava e prendia o cabelo num coque, repetidas vezes, até os cachos estarem embaraçados e esticados.
— Amorzinho, eu fiz merda! – ela declarou, olhos arregalados. — Muita merda! Muita, muita, muita! Que inferno!
— O que você fez? – arqueei a sobrancelha.
— Tipo, talvez eu tenha chamado a vizinha para vir aqui com o cachorro dela para o Ícaro ver que não tinha porque ter medo e o cachorro se empolgou pensando que o Ícaro queria brincar, pulou em cima dele e começou a lamber ele e o Ícaro surtou, começou a empurrar e chutar o cachorro e o cachorro surtou e começou a latir na cara dele e...
— Espera, o quê? O Ícaro tá bem? Por que você fez isso? Ele se machucou? Eu tinha mandado mensagem pra ele mais cedo, mas ele ainda não respondeu, achei que vocês estavam sem internet ou... Onde você tava com a cabeça?
— Eu não sei! – ela sumiu um instante antes de voltar, puxando uma cadeira giratória e se jogando nela. — Sabe, eu presto atenção no meu irmão. Na primeira vez...
Alexia ficou em silêncio, girou na cadeira.
— Na primeira vez?
—... Ícaro ficava me pedindo para ir fazer as compras de casa com ele, depois começou a me pedir para fazê-las no lugar dele, inventava desculpas, dizia que tava com dor de cabeça ou que tinha que estudar... Ele se assustava com sombras nas paredes e ficava horas na sala, olhando pela janela lá pra fora... Começou a comer menos e dormir menos... Só depois disso tudo ele parou de sair. Teve um processo sabe? – pressionou as mãos contra os olhos enquanto falava, ainda girando. — Foi a mesma coisa da última vez. E eu percebi que tava começando de novo, então... E a sessão de terapia dele tá marcada pra só daqui a um mês, era muito tempo! Então... Não foi a ideia mais bem pensada do mundo, eu sei. Mas, eu só pensei que se ele visse que não tinha porque ter medo daquele cachorro...
