Capítulo Cinco - Sublime eminência

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"Garotas bonitas choram em silêncio e gritam de desespero... pedindo ajuda... mas os seus demônios estão lá para ajudar. Não há luz por aqui, apenas o silêncio e canções de ninar distorcidas. Passou tanto tempo no escuro que se sente segura com a ganância.

Cão, sobre sua protegida."

(Certamente, um casal adorável. - B&B)


Vejo o meu reflexo no espelho sob a luz do luar, envergonhada pela a minha aparência. A pele despida, híbrida sem motivo... repugnante. Suspiro, ao passar uma mão por meu seio, logo indo até a barriga e depois à coxa. Sinto as penas de ganso, os ossos da costela e imagino como deve ter uma pele macia ao toque, que eu sinta carne ao invés de penas. Transformo-me em uma bela mulher aos poucos, desejando ter apenas essa aparência. Engraçado... As penas vão entrando aos poucos pelos poros de onde saíram, a carne quase branca vem à tona e eu aprecio o que vejo. Não me arrependo de trocar de pele inúmeras vezes ao dia, para ser sincera prefiro essa carne, bronzeada, mais macia e de pêlos minúsculos ao invés daquelas penas brancas. Pelo menos, com essa aparência frágil, eu consigo mexer os meus braços. Eu não tenho medo do que outros vão dizer, só quero o meu rosto mais suave e, sendo como sou, com a forma que eu nasci, não é possível a menos que eu me transforme em alguém parecido com a Mãe. Ela nos obriga a sermos feios, com seu útero de tinta que só trás deformações ao mundo. Patético. Repugnante.

Neguei com a cabeça, dando uma risada triste.

Às vezes esqueço de qual útero nasci.

"Princesa?" Ele me chamou, ao bater na porta.

"Estou aqui."

"A Rainha te aguarda." O meu guarda particular passou tanto tempo conosco que dificilmente o vejo falando no idioma do Pesadelos. Cão chega ser mais velho do que eu um ano ou dois. Primeiro veio o presente, depois o cortejo e enfim a garota. Eu sei essa história decorada de trás para frente nos três idiomas. "Vá." Suspirei, dando uma olhada no meu reflexo de cima a baixo.

É dessa forma que irei visitá-la. Depois de colocar uma roupa, segui para fora. Cão me espera na porta, atencioso como sempre, e me acompanha até onde a mais velha se encontra. Vozes agitadas são ouvidas por toda parte falando sobre o único e mesmo assunto: o ser humano da Fronteira a solta em Hidra. De certo eu o teria deixado para os hominum, mas o Homem das Sombras agiu por conta própria. Ou talvez a Mãe de Todos tenha ordenado que o 'salvasse'. De qualquer forma, agora ele está na minha casa e eu ainda não tive a chance de vê-lo pessoalmente. Penso que o desconhecido talvez possa estar ao lado dela nos jardins. Não seria surpresa, mamãe adora coisas estranhas - Sunna que diga. Mas a minha teoria se revela um engano assim que eu atravesso o pequeno caminho para chegar nos arcos repletos de uvas, onde vejo minha mãe sentada em uma cadeira fazendo tranças nos longos cabelos de Berserk, sentada por entre as pernas em uma almofada no chão, e Sunna sentada em uma poltrona, bebendo chá em uma xícara de porcelana.

Inclinei a minha cabeça para o lado, observando a cena. Acredito eu que alguns de nós têm uma borboleta dentro de si, por isso conseguimos mudar de forma e aparência. Os seres metamorfos não existem na Capital, as cobras são exceção à regra por terem sido moldadas pelo barro da Rainha, e eu mesma por ter o sangue do Pesadelos. As cobras possuem uma versão humana para que a rainha não se sinta solitária. Eu não a julgo, porque se eu fosse a única de pele macia e clara, iria querer alguém ao meu lado também.

triste. tristeza. olha como ela não gosta de si mesma!

Mamãe me olhou e não gostou do que viu.

Delírio (I - Coleção Sangue Vil)Onde histórias criam vida. Descubra agora