Nathan

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- Bom dia Nathan, poderia por gentileza colocar os documentos dos novos funcionários dentro do arquivo?

Nathan levantou os olhos e fez cara de pouco caso, estava começando a se cansar disso, a se cansar de não ter controle sobre a sua própria vida, cansado de ouvir aquela mulher nojenta mandando nele a todo instante.

- Claro Marisa, com prazer. – Respondeu, ainda pensando em formas de jogar aquela vaca pela janela.

Marisa era a chefe de Nathan desde o ano passado, quando a mesma ainda era uma simples colega de trabalho. Por ironia do destino, ou pela vida miserável que ele estava acostumado, e após a promessa de uma promoção, Marisa foi promovida a supervisora do setor administrativo, e automaticamente sua chefe. Nathan viu mais uma vez a chance de mudar de vida escorrer entre seus dedos, trabalhou duro durante o ano inteiro para ser reconhecido, e quando surgiu a chance, uma bela cavalgada no colo do antigo chefe colocou Marisa em seu caminho para o sucesso. Marisa era uma mulher insuportável, magra com olhos fundos e cara de poucos amigos, seria até bonita se não fosse tão chata, com aquele nariz empinado.

Na época havia entrado em desespero, morava sozinho. Havia prometido sucesso à sua mãe que tinha ficado no interior do Estado, na pequena cidade de Vinhedo. Entrou em depressão, vivia enchendo a cara nos botecos pobres do centro de São Paulo, faltou algumas vezes ao trabalho, tomou algumas advertências, e quando viu que nada adiantava para parar com a angústia e o sofrimento, decidiu continuar sobrevivendo, resolveu se submeter a humilhação de ser subordinado a Marisa para poder continuar a sua vida.

Colocou os documentos no arquivo e voltou a sua mesa de trabalho. O dia estava tranquilo, quase nada para fazer, se sentia cansado com todo o peso de mais uma noite de sonhos. Olhou para a janela e viu a bela paisagem do pôr do sol sobre a cidade de São Paulo, e pensar que quase nenhum paulistano sabia o quanto um pôr do sol visto do alto em plena Alameda Santos era lindo, olhou para baixo e começou a prestar atenção nas pessoas andando, caminhando despreocupadas, ou preocupadas demais, parecendo pequenas formigas, fazendo os seus afazeres sem perceber que eram observadas por todos os lugares, pessoas perdidas que não sabiam o que estavam fazendo de suas vidas. Quando menos esperava, Nathan entrou naquele estágio onde não estamos dormindo, mas também não estamos totalmente acordados. Quase em estado de transe.

Estava em um campo de girassóis, corria em direção ao sol, rumo a uma colina. Ele não a via, mas sabia que ela estava lá. Correu o máximo que seus pulmões aguentavam, sentindo pontadas no peito, cheio de desespero e uma urgência enorme de chegar até ela. Passou pelo campo e começou a subir. A escalada se tornava mais difícil a cada passo, as pernas estavam afundando, mas que diabos! As pernas estavam afundando em lama e pareciam pesar várias toneladas.

Com um esforço enorme e muito tempo depois, conseguiu chegar ao topo, procurou por ela, mas não conseguiu encontrá-la, não havia nada lá em cima. Olhou para os lados procurando, mas não via nada além do campo de girassóis abaixo. Parou por alguns instantes observando o pôr do sol, sentindo a falta de quem não existia, de quem nunca poderia existir.

Nathan tinha certeza de que ela estaria ali, ele havia corrido alguns quilômetros para alcançá-la, mas ela não estava lá. Virou as costas para o pôr do sol e quando estava quase partindo, ouviu uma voz sussurrando o seu nome "Nathan, Nat..han, Nat..ha, Na..."

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- Nathan, acorde! Isso é hora de cochilar?! Estamos em meio a uma auditoria e você pouco se lixando para o que está acontecendo nessa empresa!! Dormindo.... Não sei porque ainda não demiti você! - Gritou Marisa acordando Nathan aos pulos.
- Não estava dormindo, eu estava... estava... - tentou justificar, mas as palavras morreram na sua garganta. Não sabia onde estava ou o que estava fazendo, estava se sentindo perdido.

- Estava... estava...! Pare de gaguejar e prepare o relatório para o auditor, não podemos ter nenhum erro nesta auditoria! Se algo sair errado pode ter certeza que virei buscar a sua cabeça!  - Marisa virou as costas e saiu sem esperar a resposta, ou melhor dizendo, a "desculpa desse imprestável."

Nathan ficou lá, parado, tentando entender o que havia acontecido. Claro que ele já havia dormido no trabalho, e não foram poucas as vezes, cochilava sempre que possível, mas ia ao banheiro e ao estoque para isso. Numa posição delicada como a dele, nunca se atreveria a dormir em sua própria mesa...

Lembrou do sonho que acabara de ter, e o achou muito estranho. Os sonhos só vinham a noite, nunca a tarde e nem pela manhã. Inclusive, as únicas vezes em que tinha um sono tranquilo era pela manhã ou a tarde. Nunca havia acontecido no trabalho. Ouvira a voz dela, tinha certeza disso. A voz era suave, cheia de urgência e não saia de sua cabeça.

"Nathan..."

Sabia que ela estava com problemas ou em perigo, e por isso o chamava. Aquilo era um sonho, não fazia sentido Nathan ficar preocupado com ela! Perseguindo o sonho como um louco, psicótico e esquizofrênico. A voz em sua cabeça não o deixava pensar com a razão, ele tinha certeza de que ela era real.

Saiu tarde do trabalho, algo que já estava acostumado a fazer, dobrou a Alameda Santos, entrando na Rua Pamplona e seguiu em direção ao Stones, seu pub favorito que ficava na Rua da Consolação. Sempre vazio, tocava Blues e Rock'n Roll clássico, sua decoração era o máximo! Guitarras autografadas nas paredes, quadros com ícones da cultura pop, as mesas e cadeiras de uma madeira cheirosa e o melhor, era o único lugar em que ele podia fugir de si mesmo.

Ao entrar no Stones, foi cumprimentado com animação. Já era um velho conhecido do barman Jessie (seu nome real era Jesuíno, mas como sempre odiou seus pais por isso, adotou o apelido de Jessie desde a infância). Pediu o de sempre, Red Label duplo e sem gelo, ao estilo Cowboy. Nathan preferia assim, desse jeito o whisky não perde o seu gosto. Nathan gostava de ir lá para se martirizar, pensar no desastre que a sua vida havia se tornado. E ás vezes, bem ás vezes, acreditar que existia esperança. Traçar planos e metas, ter o pensamento de que ele não era o zero à esquerda que sempre aparentou ser.

Era bom estar no Stones, Nathan conseguia prestar atenção em cada um dos clientes do pub. Conhecia quase todos de vista. Em uma mesa, um senhor de meia idade, provavelmente a beira de um divórcio, estava tomando sua vodca e olhando para o vazio. Uma mulher bonita, aparentando seus 30 e poucos anos, estava à espera de uma amiga ou amigo sentada no banco do bar, dava para perceber a felicidade em seu olhar cada vez que olhava o celular. Um grupo de amigos "Rock'n Roll" no bilhar, apostando cervejas e bebidas, com certeza alguém iria ser carregado para casa hoje.

Uma senhora bebia um Dry Martini, sentada à algumas mesas mais a frente e Nathan notou que ela o olhava fixamente, retribuiu o olhar e imediatamente sentiu-se incomodado. Sentiu o olhar profundo da mulher pesando sobre ele, encarou a o máximo que conseguiu, o que não foi por muito tempo, afinal normalmente ele era o observador e não o observado no Stones. O olhar daquela mulher o deixou desorientado, parecia que ela havia visto dentro de sua alma.

Saiu do Stones com aquela sensação incômoda de ser observado. Desceu a Rua da Consolação em direção à Praça da República, não via a hora de chegar em casa. Olhava em cada canto escuro, cada beco, cada esquina e tudo o fazia sentir um frio na espinha, estava assustado. Apressou o passo, e ao passar próximo ao Cemitério da Consolação, quase teve um ataque. Um mendigo caiu bem na sua frente, bêbado e pedindo esmolas, parecia mais um zumbi saído de The Walking Dead do que um mendigo no centro de São Paulo. Nathan assustado começou a correr, entrou na Avenida Ipiranga e diminuiu o passo, as ruas estavam mais movimentadas naquele horário, já que era troca de turno de algumas empresas da região. Riu de si mesmo por ter se assustado com o mendigo, mas também quem não se assustaria, a uma hora daquelas, trombar com um ser daqueles. O que ele mais queria era chegar logo em casa para poder tomar um bom banho e acabar com aquele dia maluco.

Chegou em seu prédio cerca de 30 minutos após deixar o Stones, deu um boa noite rápido para o porteiro, pegou suas correspondências – contas, contas e mais contas, que novidade! – E subiu para o seu apartamento no 5o andar. Girou a chave e no exato instante que abriu a porta, teve a sensação de que algo estava errado.

Foi entrando devagar, não se lembrava de ter deixado a janela da sala aberta, de onde um vento frio insistia em entrar. A primeira reação de Nathan ao receber o frio golpe de vento, foi fechar a janela.

- Olá Nathan. Temos muito o que conversar.

Nathan virou se abruptamente, quase tendo um ataque cardíaco.

Ela estava lá!

COMPLETO - OS LEGADOS DO SOL E DA LUAOnde histórias criam vida. Descubra agora