Isa

328 43 24
                                    

Santo André, Agosto de 2004.

"Eu me apaixonei pela pessoa errada,

Ninguém sabe o quanto eu estou sofrendo.

Sempre que eu vejo ele do seu lado,

Morro de ciúme, tô enlouquecendo."

Era a terceira vez que Jorge colocava aquela música pra tocar no jukebox do bar em que estava. Uma pocilga próxima ao ponto final dos ônibus no Jardim Irene. Havia bebido a noite inteira, dançado forró com mulheres desconhecidas, tudo pra fingir que estava tudo bem, fingir que nada em sua vida estava errado. Mas agora, no começo do dia, a depressão por estar sozinho, e a noção de que toda aquela noite foi uma farsa batia e pesava em suas costas. Havia semanas que estava assim, bebendo para afogar as mágoas, se apoiando nos amigos de bebedeira.

Jorge costumava ser um cara normal, com uma vida normal e uma família normal com papai, mamãe e filhinho, mas como o mais cliché da normalidade, tudo o que era normal na vida de Jorge ruiu. Havia pego a sua mulher o traindo com o melhor amigo, em sua própria cama. Tinha pego o desgraçado e batido até ele ficar irreconhecível, a rua inteira viu. Chamaram a polícia. Pelo estado crítico que seu antigo melhor amigo ficou, foi preso e enquadrado como tentativa de homicídio. Sua esposa ficou ao lado do amante e ainda disse que ia depor contra o marido.

Jorge ficou preso por duas semanas, e como não houve flagrante, não foi tão difícil seu advogado conseguir um Habeas Corpus. Agora respondia em liberdade, mas estava proibido pela justiça de se aproximar de seu filho, por ser violento, por ser uma ameaça à segurança de seu filho. Desde então vinha bebendo, passando a vida em botecos e bares iguais aqueles, os "Fecha Nunca" da cidade. Só na semana passada, ele tinha conhecido todos os pulgueiros da cidade, do Jardim Irene ao Clube de Campo, do Centreville ao Sítio dos Vianas, todos esses bairros carentes da cidade de Santo André. Então estava ali, ouvindo aquele pagode de corno do Exaltasamba, se sentindo triste e melancólico.

O que Jorge não podia notar era o cheiro de enxofre que pesava naquele lugar, nem aqueles seres se escondendo nas sombras, se escondendo em cada canto escuro e se infiltrando em cada gole de Maria-Mole ele tomava.

Eles estavam lá, os cães do inferno, com seus corpos pútridos e os olhos sangrentos, à espreita, aguardando o momento certo de agir. Seguiriam as ordens de seus Generais, pelo que sabiam, precisavam impedir a profecia de se cumprir, os Generais Negros já haviam achado a Lua. Agora era hora de cumprir o que foi ordenado e abocanhar a alma daquele ser desprezível que estava se embriagando na frente deles, para isso continuariam alimentando a ira e a raiva naquele homem, com o coração fraco e a mente atordoada pelo álcool, não seria difícil dele se render aos seus sussurros, não seria difícil aprisioná-lo nas trevas.

Jorge continuava ouvindo aquela música que grudava em seu cérebro como cola, tomou mais uma dose de Maria-Mole e fechou os olhos. Tentou se levantar e não conseguiu, estava muito tonto, um zumbido incrível tomava a sua cabeça. Encostou a cabeça no balcão e colocou pra fora todo aquele líquido amargo que queimava a sua garganta. Sentiu-se um pouco melhor, mas as lembranças de sua vida não o deixavam em paz, a tristeza foi indo embora e dando lugar a uma raiva imensa que o fazia ver o pior de si.

Estava na hora, os Generais deram a ordem, os cães sarnentos do inferno continuavam sussurrando no ouvido daquele pobre homem, disseram coisas para que ele pensasse coisas que homem nenhum devia pensar sobre si mesmo, tornaram Jorge uma marionete. Ele não estava mais no controle, agora ele era um joguete nas mãos do inferno.

Jorge jogou uma nota de 50 reais em cima do balcão, saiu do boteco às pressas e entrou em seu carro. Sabia muito bem o que tinha que fazer, ele lembrava a todo momento os motivos que o trouxeram à aquele boteco.

COMPLETO - OS LEGADOS DO SOL E DA LUAOnde histórias criam vida. Descubra agora